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​Brasil não sabe nada sobre metade das espécies pescadas


Em um ano, aumentou o número de estoques conhecidos dos pescados brasileiros de oito para 66, mas três em cada quatro estoques estão sobrepescados, ou seja, têm a biomassa abaixo dos níveis ideais.
 
É o que indica o Anuário da Pesca 2022, divulgado pela ONG Oceana Brasil. Foram avaliadas 135 espécies pescadas comercialmente no Brasil, mas não há informações de 51% delas.
 
“Estamos falando de um universo de apenas metade dos recursos que são alvo da frota pesqueira marinha do país. A outra metade segue no apagão de dados. Nada se sabe, por exemplo, sobre a situação da sardinha-verdadeira, da cavalinha e da palombeta, que são alguns dos principais recursos pesqueiros do Brasil”, afirmou o diretor científico da Oceana, o oceanógrafo Martin Dias.
 
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Segundo o relatório, 67% das espécies pescadas que têm avaliações dos estoques feitas por pesquisas realizadas com recursos públicos estão com volume abaixo dos níveis mínimos. Estão, portanto, numa zona de perigo biológico o que, inclusive, prejudica o rendimento econômico atual e futuro das pescarias.
 
É o caso da lagosta vermelha, lagosta verde, pargo, linguado, corvina, castanha, polvo, camarão rosa das regiões Sul e Sudeste e da pescada amarela no Norte e Nordeste do país.
Segundo o Anuário, mesmo com a situação alarmante da sobrepesca, apenas seis espécies possuem limites de captura e a única que teve a cota estabelecida pelo governo brasileiro foi a tainha.
 
 
Os demais alvos da frota comercial que possuem limites de captura são estoques sob jurisdição da Comissão Internacional para a Conservação do Atum do Atlântico (ICCAT, na sigla em inglês): albacora bandolim, albacora laje, albacora-branca e espadarte do Atlântico Sul e do Atlântico Norte.
 
 
Plano de gestão
Não falta pressão para o estabelecimento de cotas de captura para algumas espécies ameaçadas. A Oceana, acadêmicos e pescadores artesanais responsáveis pela pesca da lagosta na região Nordeste, por exemplo, defendem que seja estabelecida uma cota para captura da lagosta vermelha e verde, que são o principal produto da pauta de exportações brasileiras de pescado, no plano de gestão que o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) promete concluir até dezembro.
 
Já a Associação Brasileira da Indústria da Pesca (Abipesca) concorda com a cota e o plano de gestão, desde que haja fiscalização sobre o comércio ilegal de lagosta no Brasil, que atinge 20% da produção.
 
Com relação às espécies que possuem plano de gestão atualizados, não houve alteração em relação à auditoria de 2021: apenas 10 espécies (ou 8% do total) ameaçadas de extinção estão submetidas a algum plano de gestão, além da tainha que teve um plano elaborado nos últimos cinco anos formalmente reconhecido pela autoridade pesqueira brasileira.
 
 
Ciência e governo
Segundo o diretor-geral da Oceana, o oceanólogo Ademilson Zamboni, a boa notícia do Anuário de 2022 é o fato de que a ciência pesqueira trouxe à luz, ou atualizou, informações sobre estoques dos quais se sabia pouco ou quase nada.
 
“O saber científico deve ser a base de quaisquer tomadas de decisão na política pesqueira. Ao não fazer isso, o Estado assume o risco de atingir um ponto onde a sustentabilidade da atividade já não será uma opção.”
 
Ministro da Pesca entre 2006 e 2010 e presidente do International Fish Congress & Fish Expo Brasil (IFC Brasil), Altemir Gregolin diz que o país tem problemas estruturais que perpetuam a gestão deficiente da pesca, se referindo às constantes trocas de status do setor no governo.
 
“É uma vergonha estar em 26º no ranking de gestão pesqueira mundial (atrás de Bangladesh, Malásia, Nigéria e outros países). A ruptura e descontinuidade não permitem uma gestão pesqueira eficiente.”
 
Gregolin citou como exemplo o caso da lagosta, cuja pesca anual atingia um volume de 15 mil toneladas na década de 1990 e caiu nos últimos anos para 7 mil.
 
“Isso é resultado de uma deficiência na fiscalização. Tudo permanece como antes. A proibição da pesca da lagosta com rede caçoeira foi um item que me empenhei bastante para implantar quando era ministro, mas hoje vemos que a maioria das lagostas é pescada com rede ou com bombas de mergulho.”
 
Alex Lira, coordenador geral de estatística do MPA, disse que a pasta, em gestão compartilhada com o Ministério do Meio Ambiente, está empenhada em fomentar a pesquisa e estatística da atividade pesqueira e aquícola no país.
 
“Uma das nossas ações prioritárias agora é coletar informações com mais de 100 pesquisadores, instituições de pesquisa e fomento, ONGs e entidades da pesca artesanal para reconstruir as estatísticas dos últimos sete anos, visando elaborar um futuro programa de monitoramento da pesca.”
Por Eliane Silva — Ribeirão Preto (SP) – Revista Globo Rural
Foto: Divulgação