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​Pesca da lagosta tem risco de colapso no Brasil


O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) planeja iniciar em agosto as reuniões para definir, finalmente, um plano de gestão para a pesca marinha que mais gera receita para as exportações brasileiras e que envolve cerca de 12 mil pescadores artesanais: a pesca da lagosta.
 
A promessa do governo é ter um plano fechado até 31 de dezembro.
 
No ano passado, as exportações de lagosta congelada e não congelada somaram US$ 83,15 milhões (aproximadamente R$ 403,2 milhões), segundo as estatísticas de comércio exterior do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
No entanto, o setor está em alerta devido à redução dos estoques da lagosta na costa brasileira desde os anos 1980. Desde então, o custo operacional maior deixou de ser rentável para as grandes embarcações industriais e ficaram regulamentados na atividade apenas os pescadores artesanais.
 
Em 28 de abril deste ano, a Portaria Interministerial nº 3, do MPA e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), estabeleceu o período da safra e do defeso (temporada em que é proibida a pesca para proteção do crustáceo em seu período reprodutivo).
 
A pesca está permitida de 1º de maio a 31 de outubro, e não pode ser realizada de 1º de novembro a 31 de abril.
A portaria também sinalizou a elaboração do Plano de Gestão da Lagosta. Pescadores que registram queda nos volumes capturados a cada ano, entidades do setor e ONGs de proteção dos mares, como a Oceana, esperam que, desta vez, o plano não estabeleça apenas tamanho mínimo da lagosta, tipos de embarcação e equipamentos de pesca permitidos.
 
“É fundamental que o Plano de Gestão da Lagosta coloque um limite de captura para permitir a reposição dos estoques. Estabelecendo uma cota de captura, mesmo com falha de fiscalização, dá para exercer algum controle nas exportações, limitando o volume de embarque anual”, diz o oceanógrafo Martin Dias, diretor científico da Oceana Brasil, ONG internacional focada na preservação dos oceanos.
 
O governo não tem estatísticas oficiais sobre o estoque ou a pesca da lagosta. O único número real do setor é o volume de exportações. Mais de 90% da produção estimada entre 5 mil a 6 mil toneladas anuais vai para o mercado externo, principalmente para Estados Unidos e China.
 
O Ceará lidera o ranking de produção e exportação, com mais de 50% do volume total, seguido pelo Rio Grande do Norte (15%). Paraíba, Pernambuco e Bahia também têm pesca da lagosta.
 
 
Tipos de lagosta e estoques
As lagostas que são mais abundantes e têm sua pesca controlada na costa brasileira são a vermelha, que tem o nome científico de Panulirus argus, e a verde (Panulirus laevicauda). A portaria também inclui a lagosta pintada (Panulirus echinatus), menos comum.
 
Um estudo publicado pelo Oceana estimou uma redução de mais de 80% do estoque desde o início dessa pesca, em 1950, por falhas na gestão e também nas medidas de ordenamento e controle. Em 2015, o estoque já se encontrava em sobrepesca, com menos de 18% de sua capacidade máxima de reprodução.
“A raiz do problema está na necessidade de ter mais lagosta no mar. A criação de um plano de gestão é fundamental para começar a recuperar o estoque”, diz Martin.
 
O professor de economia de pesca e aquicultura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Antonio-Alberto Cortez, que acompanha os desafios da pesca da lagosta no seu Estado, diz que desde 1986, antes da criação do Ibama, a lagosta já passou a ter o status de risco de extinção.
 
“Até hoje, não foi feita reavaliação desses estoques. O defeso é mantido, mas há 40 anos não se faz uma reavaliação, e isso é urgente.” Atualmente, segundo Martin, quando se abre a safra da lagosta, não há um teto.
 
“O fato é que a gestão da pesca é uma mistura de interesses sócio-comerciais e também biológicos, mas a pesca da lagosta corre o risco de desaparecer. Continuando sem limites de captura, a questão não é se vai acontecer um colapso e sim quando vai acontecer, assim como a mudança climática.”
Para o diretor da Oceana, a solução não é proibir a pesca por um ou dois anos porque isso mexe com empregos e exportação. A opção pode ser trabalhar um pouco abaixo do limite necessário para recuperar o estoque em mais anos.
Pauta prioritária
Ormezita Barbosa, coordenadora-geral de gestão participativa costeiro-marinha da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal do MPA, disse à Globo Rural que a lagosta é pauta prioritária do ministério devido a sua importância econômica e social.
 
O último plano de gestão é de 2008 e se limita apenas a controlar a frota, sem emitir licença para novas embarcações.
 
“O que vamos fazer até 31 de dezembro é revisar esse plano. Devemos iniciar em agosto a revisão dos dados e adotar um limite de captura anual. Um painel de especialistas vai se reunir para avaliar o estado dos estoques. Sabemos que há uma sobrepesca que resulta de uma série de questões e da ineficiência do plano em vigor”, disse Ormezita, que, antes de assumir cargo no MAP, trabalhou 20 anos com a pesca no Ceará.
 
Segundo a coordenadora, a decisão final será precedida de discussões com pescadores, indústria, exportadores, organizações do governo e academia.
“Sabemos que é um grande desafio construir um plano desses em poucos meses, já que a pesca vem de um contexto de pouquíssimos dados. Temos que eleger prioridades como a avaliação dos estoques para definir limite de captura, o tipo de frota e de equipamentos permitidos.”
 
 
Uma pesca que já tem limite de captura é a da tainha, também vetada para embarcações industriais. As discussões para a elaboração do Plano de Gestão demandaram dois anos.
 
Em 2023, a safra aberta em 1º de maio foi encerrada antecipadamente em 21 de junho, quando foi atingido o limite de 460 toneladas.
 
Tamanho
Neste ano, às vésperas da abertura da safra da lagosta, após resistência dos pescadores, o ministério recuou na tentativa de aumentar de 13 cm para 14 cm o tamanho mínimo de cauda permitido para a captura do crustáceo e também desistiu de exigir que a lagosta fosse comercializada ainda viva.
 
Os pescadores alegaram que mais de 70% das lagostas pescadas têm 13 cm e que manter todas vivas agrega qualidade, mas demanda uma estrutura de refrigeração nos barcos que a maioria não tem.
 
Para Martin, da Oceana, trazer a lagosta viva era apenas uma forma de combinar maior qualidade com redução da possibilidade de pesca ilegal, mas isso não gera um impacto na biologia do recurso.
 
Já o aumento da cauda para 14 cm, em sua avaliação, seria uma medida apenas paliativa na necessidade de repovoar.
 
O plano do ministério, segundo Ormezita, é iniciar um processo de consulta também sobre essas medidas de ordenamento.
 
Por Eliane Silva — Ribeirão Preto (SP) – Revista Globo Rural
Foto: Divulgação