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A onda da criação de peixes em caixas d’água


 

A WEB facilitou muito a divulgação e o acesso à informação. Textos, vídeos, imagens sobre os mais variados assuntos proliferam a uma velocidade incapaz de ser acompanhada. Como hoje um grande número de pessoas gera conteúdos e os disponibiliza na WEB, cabe aos usuários a difícil tarefa de interpretar e separar as informações coerentes das sobrenaturais. Isso seguramente ocorre em todas as áreas de conhecimento. Tratando-se especificamente da criação de pescados, há uma enxurrada de informações na WEB que podem resultar em sérios equívocos, perdas consideráveis de dinheiro e tempo. Nesse artigo, trago minha opinião sobre a onda da criação de peixes em caixas d’água e tanques que vem sendo propagada, e uma breve discussão sobre alguns dos principais requisitos de biologia, qualidade da água, engenharia e limites de produção essenciais para o sucesso da criação.

FernandoFoto
Por: Fernando Kubitza, Ph.D.
Acqua Imagem Serviços em Aquicultura
fernando@acquaimagem.com.br



Estudos prévios: mercado, plano de produção, custos e viabilidade econômica

Muitas pessoas se entusiasmam com a aparente perspectiva “mamão com açúcar” de produzir peixes e camarões em tanques usando sistema de recirculação em aquicultura (SRA ou RAS, em inglês) ou a tecnologia de bioflocos (Sistemas BFT). Vendo vídeos na WEB ou programas na TV, fazem algumas contas simples e vislumbram a possibilidade de significativos ganhos financeiros. Muitos desses pequenos investidores perderam seus empregos e buscam alternativas para investir seus poucos recursos em um empreendimento que lhes ocupem e gere renda. Outros têm pequenas propriedades rurais ou chácaras de lazer e querem ter alguma fonte adicional de renda para cobrir as despesas com caseiros e manutenção da propriedade. Antes de colocar qualquer dinheiro comprando um terreno ou montando a infraestrutura, é altamente aconselhável conhecer os aspectos técnicos do sistema de cultivo, as necessidades biológicas da espécie e, o essencial, as oportunidades de mercado. Esses aspectos são quase sempre subestimados. Daí a importância de fazer um adequado Estudo de Mercado: quem serão os compradores do meu peixe? Vou produzir para consumo próprio, da família, dos amigos? Vou vender aos meus vizinhos, a restaurantes e mercados do bairro? Ou vou ter que vender a um frigorífico / entreposto de pescado? Como tenho que entregar o produto? Inteiro, eviscerado, filetado, em postas? Fresco, no gelo, ou congelado? Qual é o aproveitamento e as perdas para os diferentes produtos? Os mercados que almejo conseguem comprar toda a minha produção? E qual é o preço que  posso praticar para cada produto? Qual é o investimento necessário para eu efetivar o processamento e venda do meu pescado? Essas são algumas das informações que um investidor deve ter bem claras antes de iniciar a criação. Com base nas oportunidades e metas estabelecidas para o mercado, o próximo passo é estruturar o Plano de Produção. Para isso, ajuda muito o suporte de profissionais que conheçam o sistema de cultivo e as espécies-alvo. No Plano de Produção, se define o volume a ser produzido (quilos / toneladas por semana/mês) e a estratégia de produção (as fases de produção; os limites de produção e os parâmetros de desempenho esperado em cada fase). Também se define o tamanho adequado dos tanques em cada fase). A quantidade de ração aplicada por dia no sistema (que permite estimar o consumo de oxigênio, o volume de sólidos e a quantidade de amônia gerada, informações essenciais para dimensionar aeração, filtros mecânicos e biológicos). O plano ainda permite prever os equipamentos necessários e as despesas com pessoal, ração, alevinos, pós-larvas, energia, entre outras. Desse modo, o plano de produção serve como base para estimar o investimento em infraestrutura e equipamentos, e o capital operacional necessário para dar suporte ao início da produção.

O plano de produção serve como base para a elaboração do Demonstrativo de resultados: com a estimativa do custo de produção, da receita anual, e do capital de giro necessário para operar o empreendimento. A partir do demonstrativo de resultados, é possível montar o Fluxo de Caixa do Projeto para um período de 10 anos, por exemplo, e fazer uma Análise da Viabilidade Econômica desse investimento. Ou seja, dadas as condições previstas no plano de produção, em 10 anos de operação, o projeto é capaz de pagar o investimento inicial e aumentar o patrimônio do investidor? Ou vai ficar empatado? Ou, pior,  pode fazer o investidor perder parte de seu patrimônio?

Espécies que podem ser criadas em sistemas de recirculação

Peixes e camarões podem ser criados em SRAs e sistemas BFT. A tilápia, bastante popular e rústica, geralmente é a escolha inicial de muitos iniciantes. Tilápias vermelhas, apesar do crescimento mais lento, podem ser uma excelente opção, pois têm preço de venda geralmente 30 a 50% superior  ao das tilápias comuns. Espécies de alto valor de mercado devem ser consideradas nesses sistemas intensivos. O camarão marinho (Litopenaeus vannamei), por exemplo. Ou peixes ornamentais, que impõe menos esforço sobre o sistema e podem deixar altas margens de lucro. Peixes, como o pirarucu, trazem uma vantagem tremenda pelo fato de terem respiração aérea e não dependerem do oxigênio na água, e podem ser cultivados perto dos grandes mercados de outras capitais fora da Amazônia. Até mesmo em regiões frias, desde que os tanques sejam abrigados em estufas durante o inverno. Apesar das vantagens que trazem em relação a outros sistemas de cultivo (ver matéria da Revista Panorama da Aquicultura, no. 95, 2006), os SRAs e BFT somente fazem sentido se as espécies e mercado alvos retornarem valor suficiente para compensar os maiores investimentos (por unidade de área ou volume) e custos de produção (por unidade de peixe) geralmente registrados nesses sistemas, comparados a outros sistemas de cultivo tradicionais (viveiros ou tanques-rede).

No plano principal, uma bateria de caixas d’água para a produção de juvenis de tilápia com a tecnologia de bioflocos (sistema BFT)
No plano principal, uma bateria de caixas d’água para a produção de juvenis de tilápia com a tecnologia de bioflocos (sistema BFT)
 
 Sistema de recirculação de pequeno porte instalado em uma residência para a produção de peixes ornamentais (Lebistes ou “guppies”)
Sistema de recirculação de pequeno porte instalado em uma residência para a produção de peixes ornamentais (Lebistes ou “guppies”)
 
Sistema de recirculação de médio porte para a engorda de tilápia em tanques circulares de concreto, cada um equipado com um filtro biológico por escorrimento (dois tambores azuis empilhados)
Sistema de recirculação de médio porte para a engorda de tilápia em tanques circulares de concreto, cada um equipado com um filtro biológico por escorrimento (dois tambores azuis empilhados)
 
Pequeno sistema de recirculação para manutenção e reprodução de peixes marinhos
Pequeno sistema de recirculação para manutenção e reprodução de peixes marinhos

Provendo ambiente e nutrição adequados

Muitos aquicultores novatos desconhecem os processos químicos e biológicos envolvidos nos SRAs e nos sistemas BFT. Os fundamentos da nutrição e alimentação também. Com o uso de rações inadequadas para o sistema e espécies, e sem um criterioso controle da qualidade da água, os resultados geralmente são catastróficos.

Manter condições adequadas de ambiente é importante tanto para a espécie produzida, como para as comunidades microbianas (bactérias) que atuam nos SRAs e BFT, processando resíduos orgânicos e/ou transformando a amônia e o nitrito (compostos tóxicos) em nitrato (composto menos tóxico). Nos SRAs convencionais, essa comunidade bacteriana está instalada especialmente nos biofiltros, enquanto que nos sistemas BFT, essas bactérias estão muito associadas aos flocos em suspensão na água (bioflocos). Oxigênio dissolvido, temperatura, pH, luminosidade, salinidade, balanço iônico, cloretos, alcalinidade e dureza total, gás carbônico,  resíduos nitrogenados, sólidos em suspensão, entre outras variáveis, precisam ser monitorados e mantidos dentro de limites aceitáveis ou seguros. Além de contar com  equipamentos confiáveis para monitorar esses parâmetros, é preciso saber o que fazer para mantê-los dentro de limites adequados. Muitos iniciantes negligenciam isso.

● Temperatura e luminosidade – No que diz respeito à temperatura, muitos subestimam o rigor do inverno em sua região, bem como as variações de temperaturas que podem ocorrer na água dos tanques entre o dia e a noite. Os tanques de cultivo geralmente têm pequeno volume (2 a 200 m3). Com isso, a água pode esquentar muito durante o dia e esfriar muito durante a noite. Essas variações de temperatura podem ser ainda maiores quando se usa aeradores que lançam a água contra o ar frio da noite e madrugada. Estufas sobre os tanques ajudam a manter a temperatura da água mais estável. Durante o dia, a temperatura dentro da estufa pode ficar muito elevada. Assim, é necessário que as estufas disponham de cortinados laterais que podem ser suspensos durante o dia e abaixados no final da tarde. Já em relação à luminosidadeé comum observar uma incidência de luz excessiva sobre os tanques. Isso favorece o desenvolvimento de microalgas. Com o excesso de microalgas ocorrem oscilações bruscas no pH e na concentração de oxigênio. O maior problema aqui são as oscilações de pH, especialmente quando ocorrem valores muito elevados (acima de 9,0) no período da tarde. Quanto maior o valor do pH, maior o percentual de amônia na forma tóxica (NH3) na água. Mais detalhes sobre isso podem ser encontrados em matéria publicada nessa revista (Panorama da AQÜICULTURA, no 160, 2017). Os SRAs e os sistemas BFT, em dados momentos, podem ter concentrações elevadas de amônia total na água.

Pirarucu, peixes ornamentais de água doce (lebistes), peixes ornamentais marinhos (peixe palhaço), camarão marinho e tilápias, são exemplos de algumas espécies que podem ser criadas em sistemas intensivos com recirculação de água
Pirarucu, peixes ornamentais de água doce (lebistes), peixes ornamentais marinhos (peixe palhaço), camarão marinho e tilápias, são exemplos de algumas espécies que podem ser criadas em sistemas intensivos com recirculação de água

Com o pH próximo de 7,0 (onde apenas 0,7% da amônia total é tóxica), isso não é problema. Mas se o pH sobe para valores de 9,0 ou superior, sob os quais 40% ou mais da amônia total se encontra na forma tóxica, isso pode prejudicar o crescimento e, até mesmo, causar mortalidade dos peixes e camarões cultivados nesses sistemas. Coberturas sobre os tanques (sombrite, plástico branco ou dupla face) ou as próprias tampas das caixas d’água) podem ajudar no controle da luminosidade.

Exemplos de testes práticos que podem ser usados pelos produtores para as análises de rotina de diversos parâmetros de qualidade da água, importantes nos sistemas intensivos de criação. Produtor monitorando o oxigênio e a temperatura da água usando um oxímetro digital
Exemplos de testes práticos que podem ser usados pelos produtores para as análises de rotina de diversos parâmetros de qualidade da água, importantes nos sistemas intensivos de criação. Produtor monitorando o oxigênio e a temperatura da água usando um oxímetro digital

● Manejo nutricional e alimentar – os produtores devem usar rações de alta qualidade, que atendam as exigências de peixes criados nos SRAs e BFT. Rações nutricionalmente completas devem ser usadas até mesmo em sistemas BFT, onde os bioflocos servem de alimento complementar, amenizando alguma eventual deficiência em nutrientes nas rações. Não pode “dar sopa para o azar”. Uma opção é usar as rações para peixes criados em tanques-rede ou camarões em sistemas intensivos. E rações que trazem o conceito de imunomodulação, melhorando a defesa imunológica dos animais. Os fabricantes provêm informações sobre os tamanhos de peletes e os tipos de rações adequados a cada etapa de cultivo, além de tabelas com a quantidade a ser fornecida e o número de tratos por dia.  Isso pode ser usado como base para o manejo nutricional e alimentar. Mas vale muito o olhar atento do criador, verificando o consumo e o comportamento dos peixes em cada trato, e fazendo avaliações periódicas do desenvolvimento dos animais.

Estufas usadas para a criação intensiva de peixes em tanques. Uma delas com cobertura de sombrite para reduzir a luminosidade e, em contrapartida, amenizar a temperatura no interior da estufa. A outra com cobertura de plástico transparente que possibilita entrada de luz e aquecimento do ar no interior da estufa. Observe o cortinado enrolado nas duas faces frontais da estufa, que impede o aquecimento excessivo no interior da estufa. Durante a noite o cortinado permanece abaixado, conservando o calor no interior da estufa. Isso impede grandes variações de temperatura na água dos tanques entre o dia e a noite
Estufas usadas para a criação intensiva de peixes em tanques. Uma delas com cobertura de sombrite para reduzir a luminosidade e, em contrapartida, amenizar a temperatura no interior da estufa. A outra com cobertura de plástico transparente que possibilita entrada de luz e aquecimento do ar no interior da estufa. Observe o cortinado enrolado nas duas faces frontais da estufa, que impede o aquecimento excessivo no interior da estufa. Durante a noite o cortinado permanece abaixado, conservando o calor no interior da estufa. Isso impede grandes variações de temperatura na água dos tanques entre o dia e a noite

Limites de produção e densidades de estocagem

A biomassa de peixes segura e econômica nos SRAs depende de diversos fatores. Além de características peculiares de cada espécie, o fator mais decisivo é a capacidade de fornecimento de oxigênio. Obviamente, desde que outros parâmetros de qualidade de água, em especial amônia, nitrito, nitrato e sólidos em suspensão (no caso dos sistemas BFT), sejam mantidos dentro de limites toleráveis para a espécie cultivada. Nos SRAs, onde se usa exclusivamente aeração mecânica (sopradores de ar e difusores, sistemas de “air lift”, bombas centrífugas propulsionando sistemas de Venturi, aeradores de pás, aeradores do tipo chafariz, ou chafariz), a biomassa segura geralmente é limitada a 50 a 80 kg de peixes/m3. Peixes de respiração aérea, como o bagre africano e pirarucu, podem ser mantidos a biomassas maiores. Em SRAs, onde se emprega equipamentos de oxigenação (incorporação de oxigênio concentrado na água), podem ser alcançadas biomassas acima de 150 kg/m3. Em sistemas BFT com aeração mecânica, a produção de peixes geralmente é limitada entre 15 a 25 kg/m3, enquanto que a de camarões pode girar entre 3 e 6 kg/m3. Há registros de produções de camarões marinhos em BFT de até 12 kg/m3, combinando aeração mecânica e oxigenação. Além do consumo dos peixes e camarões, nos BFT a maior parte do oxigênio suprido através da aeração / oxigenação é consumida na respiração de bactérias e outros organismos associados aos bioflocos.

Na WEB, há muitos vídeos abordando a criação de tilápias em tanques, com sugestões de estocagem de peixes que precisam ser consideradas com cautela. Alguns mostram 2.000 peixes em uma caixa d’água de 1.000 litros, com sistema precário de aeração por ar difuso. Obviamente que não é possível chegar com essa densidade de peixes até o peso de mercado. Mas pode ser uma densidade adequada para uma primeira etapa de formação de juvenis de 10 a 20g.

Na Tabela 1, apresentamos um exemplo de produção de tilápia dividida em três fases, com sugestões de biomassa segura e densidades de estocagem em cada fase. A densidade de estocagem é calculada dividindo o valor da biomassa segura.

Tabela 1. Organização da produção de tilápia em SRA em 3 fases. Tempo estimado e sugestões de biomassa segura e densidade de estocagem em cada fase
Tabela 1. Organização da produção de tilápia em SRA em 3 fases. Tempo estimado e sugestões de biomassa segura e densidade de estocagem em cada fase

Consumo de oxigênio nos SRAs e BFT

O dimensionamento da quantidade de aeração necessária é algo que quebra a cabeça dos iniciantes na criação de peixes em SRA e BFT. Para definir isso, é preciso ter uma noção do consumo de oxigênio nesses sistemas e conhecer a eficiência de incorporação de oxigênio dos equipamentos de aeração que serão usados. O consumo de oxigênio é uma somatória da respiração dos peixes (ou camarões) e dos demais organismos presentes no sistema (ou tanque).

● Consumo de oxigênio nos SRAs – além da respiração dos peixes, deve ser considerado o consumo de oxigênio pelas bactérias nitrificantes (ou o consumo de oxigênio do biofiltro). De forma simplificada, podemos considerar que o biofiltro consome pelo menos a mesma quantidade de oxigênio consumida pelos peixes.  O consumo de oxigênio de peixes de tamanho entre 0,3 a 2 kg pode variar desde 150 a 500 g O2/tonelada/hora. No caso de SRA com tilápia (consumo entre 150 e 250 g O2/t/hora), considerando que o biofiltro consuma a mesma quantidade de oxigênio que os peixes, podemos estimar um consumo total de 500 g de O2 para cada tonelada de tilápia estocada. Se o sistema possui uma biomassa instantânea de 3 toneladas de peixes (entre alevinos, juvenis e peixes chegando ao peso de mercado), podemos prever uma demanda de oxigênio de 1,5 kg O2/hora, que deve ser suprida através da aeração. Outra forma de prever o consumo de oxigênio é através da quantidade diária de ração fornecida. É necessário repor 0,4 kg de O2 a cada quilo de ração aplicado. Considerando o mesmo exemplo, um SRA com 3 toneladas instantâneas de tilápia, consumindo, em média, 3% do peso vivo, ou 3.000 kg x 3% = 90 kg de ração por dia, deverá ter uma demanda de 90 x 0,4 = 36 kg de oxigênio por dia ou 1,5 kg de oxigênio por hora.

● Consumo de oxigênio nos sistemas BFT – a respiração e o processo de denitrificação por bactérias associadas aos flocos em suspensão (bioflocos) chegam a superar 2 a 4 vezes o consumo dos peixes e camarões presentes no sistema. Quanto maior a concentração de sólidos em suspensão, maior o consumo pelos microrganismos. Dessa forma, podemos estimar a quantidade de oxigênio que deve ser incorporada por dia, somando a respiração dos animais criados e mais a respiração associada aos bioflocos. Para camarões marinhos em sistema de bioflocos, podemos usar como ponto de partida uma estimativa de consumo de 0,5 g de O2 por hora para cada quilo de camarão estocado, mais 1,2 a 1,5 kg de oxigênio consumido por hora pelos microrganismos associados aos flocos. Outra forma de estimar a demanda de oxigênio em sistemas BFT é considerar um tempo de reação necessário para acionar os aeradores no momento da falta de energia. Geralmente, após 30 a 40 minutos sem aeração, uma água inicialmente com 5 mg/l (5g/m3) de oxigênio pode chegar a zero. Assim, o consumo de oxigênio pode ser estimado da seguinte maneira: 5 g O/ 0,5 hora = 10 g O2/m3/hora. Para um BFT com 1.000 m3 de volume de tanques podemos considerar uma demanda de 10 kg de O2 por hora (10 g O2/m3/h x 1.000 = 10.000 g = 10 kg O2/hora).

Equipamentos de aeração usados

Diferentes equipamentos de aeração podem ser usados nos SRAs e nos sistemas BFT. O que deve ser levado em conta aqui, além da eficiência dos diferentes tipos de aeração / aeradores, é o tamanho dos tanques e que tipo de movimentação de água é desejável nos tanques de cultivo. Nos sistemas BFT, é preciso manter os bioflocos em suspensão, assim, fluxo turbulento e grande agitação da água são desejáveis. Por outro lado, nos SRAs, o fluxo de água deve ser mais orientado e menos turbulento, de modo a facilitar a concentração dos resíduos sólidos junto aos drenos de descarga. Em tanques circulares, a descarga dos sólidos decantados é realizada por drenos centrais.

Compressor radial (soprador de ar) e rede de canos para distribuição do ar para as unidades de cultivo Fundo de um tanque berçário de camarão com uma rede de canos perfurados para prover aeração Tanque de vinil usado como berçário de camarão recebendo aeração por ar difuso
Compressor radial (soprador de ar) e rede de canos para distribuição do ar para as unidades de cultivo
Fundo de um tanque berçário de camarão com uma rede de canos perfurados para prover aeração
Tanque de vinil usado como berçário de camarão recebendo aeração por ar difuso

● Aeração por ar difuso – em tanques de pequeno tamanho (menores que 50 m3), a aeração geralmente é aplicada com equipamentos de ar difuso. Compressores radiais ou sopradores de ar (“blowers”) são conectados a tubulações, que conduzem o ar até os difusores distribuídos pelos tanques. Pedras porosas, mangueiras microperfuradas, disco ou tubos recobertos com membranas microperfuradas geralmente são usados como difusores. A aeração por ar difuso não é tão eficiente em tanques rasos, com menos de 1,5 m de coluna d’água. No entanto, se os tanques forem muito fundos, os compressores de ar devem ser capazes de vencer a pressão da coluna d’água sobre os difusores.  Nos BFT, os sistemas de ar difuso ajudam a manter os bioflocos em suspensão, um requisito básico nesse sistema de cultivo. Já nos SRAs convencionais, a aeração por ar difuso pode prejudicar a concentração dos resíduos sólidos, devido à turbulência que provoca na água. Quando há opção pelo uso de sistemas de ar difuso nos SRAs, os difusores devem ser combinados com sistemas de “air lift” que, além da incorporação de oxigênio à água, possibilitam movimentar a água na direção desejada. Em tanques circulares, os sistemas de “air lift” são posicionados de modo a promover um movimento circular da água. Isso facilita a concentração dos sólidos nos drenos centrais, de onde podem ser rapidamente removidos. A saída dos sistemas de “air lift” deve ser afogada e direcionada com leve inclinação para o fundo do tanque. Desse modo, as pequenas bolhas de ar percorrem um caminho mais longo em contato com a água antes de chegarem à superfície e se dissiparem no ar, aumentando assim a eficiência de incorporação de oxigênio na água. Pedras porosas e mangueiras microperfuradas estão sujeitas à obstrução constante por filmes bacterianos, especialmente em sistemas BFT, demandando frequente limpeza (escovação). Difusores com membranas (de borracha, EPDM ou silicone) geralmente são menos propensos à colmatação. 

● Venturis – É o princípio usado em bombas submersas de aquário. Os dispositivos de Venturi são acoplados a uma tubulação de água pressurizada. Nesses dispositivos, há uma constrição onde a água passa com maior velocidade, criando um vácuo (baixa pressão) que possibilita a sucção de ar através de um orifício do Venturi em comunicação com o ar atmosférico.

● Outros sistemas de aeração – em tanques de maiores tamanhos (acima de 50 m3), podem ser usados outros equipamentos de aeração. Aeradores do tipo chafariz (bombas verticais) podem ser usados nos sistemas BFT, onde o fluxo turbulento da água não é um grande problema. Bombas centrífugas também podem ser usadas para succionar a água dos tanques e retornar um spray pressurizado sobre a superfície da água, efetivando a incorporação do oxigênio do ar na água. Aeradores de pás também podem ser usados em tanques maiores, geralmente acima de 200 m3. Tanto as bombas centrífugas como os aeradores de pás podem ser posicionados de modo a promover uma movimentação circular da água, facilitando a concentração dos sólidos junto ao dreno central.

Tanque revestido com geomembrana de PEAD usado em fase de berçário (crescimento inicial das PL’s ) de camarão, onde a aeração é feita com sistema de ar difuso e com aeradores de pás. Tanque de alvenaria com 2.400 m3 usado para produção de tilápias em sistema BFT recebendo aeração com aeradores de pás e propulsores (“propellers”). Tanque de vinil de 30 m3 para produção de alevinos de tilápia, com aeração efetuada por uma bomba submersa e um dispositivo que esparrama a água bombeada
Tanque revestido com geomembrana de PEAD usado em fase de berçário (crescimento inicial das PL’s ) de camarão, onde a aeração é feita com sistema de ar difuso e com aeradores de pás. Tanque de alvenaria com 2.400 m3 usado para produção de tilápias em sistema BFT recebendo aeração com aeradores de pás e propulsores (“propellers”). Tanque de vinil de 30 m3 para produção de alevinos de tilápia, com aeração efetuada por uma bomba submersa e um dispositivo que esparrama a água bombeada

Determinando a potência de aeração necessária

Na Tabela 2, são relacionados os diferentes sistemas de aeração e respectivas eficiências de aeração padrão (SAE). Nos tanques de SRA e BFT, a água permanece com 4 a 5 mg/l. Assim, a SAE efetiva ou corrigida é menor do que a SAE média determinada nos tanques de testes dos aeradores. Devemos usar os valores da SAE corrigida (ver Tabela 2) para estimar a potência de aeração necessária no sistema ou em cada tanque individual. Se um sistema demanda uma reposição de 10 kg de oxigênio por hora, baseado na SAE corrigida apresentada na Tabela 2: com a aeração por ar difuso de bolhas grossas, pode ser necessária uma potência de aeração de 10 kg O2 / SAE 0,64 = 15,5 CV. Com aeradores de pás, serão necessários 10 kg O2 / SAE 1,26 = 8,0 CV de aeração. Procedendo dessa forma, estimamos a potência necessária de sopradores de ar ou outros tipos de aeradores. No caso do uso de sopradores de ar, é importante verificar na curva de desempenho do soprador (fornecida pelo fabricante) qual é a vazão de ar do equipamento (em m3/minuto). Assim, podemos dimensionar a quantidade de difusores para dar conta dessa vazão. Se o número de difusores for insuficiente, o soprador opera forçado, e isso pode resultar na queima do motor. Por exemplo, se um soprador de ar consegue dar vazão a 2,5 m3 de ar/minuto e um difusor de ar possibilita uma vazão de 0,25 m3/min (250 l de ar/minuto), esse soprador daria conta de suprir ar para 2,5 / 0,25 m3 /difusor = 10 difusores.  Ou, no caso de mangueiras microperfuradas com vazão de ar de 35 l/minuto por metro linear, para esse mesmo soprador que gera 2,5 m3 de ar/minuto (2.500 litros/minuto), seriam necessários 2.500 litros / 35 litros / m = 71,4 m de mangueira microperfurada.

Tabela 2. Eficiência padrão de transferência de oxigênio (SAE, em kg de O2/CV/h) para diferentes tipos de aeradores, e corrigida para águas com 4 mg de O2/l a 28 ou 20oC. (Adaptado de Boyd, 1998 e Ryan, 2013)
Tabela 2.
Eficiência padrão de transferência de oxigênio (SAE, em kg de O2/CV/h) para diferentes tipos de aeradores, e corrigida para águas com 4 mg de O2/l a 28 ou 20oC. (Adaptado de Boyd, 1998 e Ryan, 2013)

Controle de compostos nitrogenados
potencialmente tóxicos

Amônia (NH3) e nitrito (NO2) são metabolitos nitrogenados que podem se acumular na água dos sistemas de cultivo. A amônia tem origem na excreção dos peixes e camarões (através das brânquias) e também na decomposição microbiana dos resíduos orgânicos gerados durante a criação (fezes dos peixes, sobras de ração e outros resíduos). O nitrito é um composto intermediário que se forma durante o processo de oxidação da amônia a nitrato. Nos SRAs, a amônia e o nitrito são transformados em nitrato por bactérias nitrificantes que colonizam os substratos dos biofiltros (filtros biológicos). Nos sistemas BFT, a amônia é usada como fonte de nitrogênio por bactérias heterotróficas presentes na água e aderidas aos flocos em suspensão (bioflocos). Outro grupo de bactérias, as autotróficas, também estão aderidas aos bioflocos e oxidam a amônia (NH3) e o nitrito (NO2) à forma nitrato (NO3). Essa é uma das principais diferenças entre os sistemas SRA (água limpa) e os sistemas BFT (águas com flocos em suspensão). Nos sistemas de recirculação com Aquaponia, as bactérias que colonizam as raízes das plantas fazem a vez do biofiltro. E as plantas ainda removem os nutrientes, em particular o nitrato formado a partir da oxidação da amônia e do nitrito. Independente do sistema adotado, é fundamental que a amônia e o nitrito sejam transformados rapidamente a nitrato, evitando que se acumulem na água e venham a prejudicar o desempenho e a saúde dos animais. Mais informações sobre a amônia e o nitrito podem ser encontradas no artigo da Panorama da AQÜICULTURA, no 164, 2017.

Tabela 3. Características dos principais modelos de biofiltros usados nos SRAs
Tabela 3. Características dos principais modelos de biofiltros usados nos SRAs

Muitos iniciantes  não sabem dimensionar nem decidir o melhor tipo de filtro biológico para o seu sistema. Muita gente ainda usa filtros biológicos com pedra, areia e brita ou outros substratos pesados, colocados dentro de caixas d’água ou de bombonas. Esse tipo de filtro rapidamente fica obstruído com resíduos sólidos e excesso de biofilme bacteriano, perdendo sua funcionalidade e exigindo frequentes e exaustivas limpezas. Nos SRAs, devem ser usados filtros por escorrimento ou filtros com partículas de plástico em suspensão. Esses filtros não entopem, portanto são de mais fácil manutenção, e geralmente tem maior eficiência de oxidação de amônia e nitrito. Veja as características de alguns biofiltros na Tabela 3.

Cada quilo de ração gera 30 g de amônia. O biofiltro tem que dar conta da amônia gerada. Um sistema que recebe 100 kg de ração por dia gera 100 x 30 = 3.000 g de amônia/dia. Se o biofiltro remove 0,5 g de amônia por dia para cada m2 de substrato em seu interior, para remover as 3.000 g de amônia geradas, o biofiltro precisa ter 3.000/0,5 = 6.000 m2 de superfície de contato de substrato. Se o substrato usado no biofiltro tem 900 m2 de área por m3 de volume ocupado, seria necessário um biofiltro com um volume de pelo menos 6.000 / 900 = 6,66 m3. É prudente projetar o biofiltro pelo menos 50% maior do que o estimado. Isso possibilita acomodar alguma ineficiência no processo de nitrificação e uma eventual expansão do projeto a necessidade de mexer no biofiltro.

Filtro biológico (biofiltro) com substratos plásticos em movimento (cilindro mais alto) ao lado de um filtro mecânico de esferas plásticas em um laboratório de nutrição de peixes da Universidade de Auburn, Alabama, USA
Filtro biológico (biofiltro) com substratos plásticos em movimento (cilindro mais alto) ao lado de um filtro mecânico de esferas plásticas em um laboratório de nutrição de peixes da Universidade de Auburn, Alabama, USA

Segurança em momentos de falta de energia

Falta de energia por períodos curtos pode colocar em risco todo o trabalho, tempo e recursos dedicados. Nos SRAs e sistemas BFT, há pouco tempo de ação no caso de falta de energia e paralização dos aeradores. Desse modo, o projeto deve contar com equipamentos e recursos para, em situações de emergência, pelo menos manter os níveis de oxigênio nos tanques de cultivo. Geradores são imprescindíveis em sistemas de médio e grande porte. Em sistemas pequenos destinados à produção de peixes ornamentais, ou de peixes para consumo próprio, podem ser usados nobreaks e baterias acopladas a inversores de voltagem. Também pode ser incorporado oxigênio puro (com difusores de microbolhas) armazenado em botijões. Produtos como o percarbonato de sódio (“oxigênio em pó”) e o peróxido de hidrogênio (“água oxigenada”) podem ser aplicados na água para gerar oxigênio. Esses produtos requerem cuidados na manipulação e aplicação, pois reagem com o muco e com as brânquias dos peixes. O percarbonato de sódio ainda eleva o pH da água e deve ser aplicado com bastante cautela, especialmente se há muita amônia na água.

Biofiltro (montado em um tanque de fibra de vidro com divisórias de tela) com grande quantidade de substratos de plástico em suspensão (fluidizado) que suporta um sistema de recirculação de médio porte, usado para estudos nutricionais e para produção de tilápias nas instalações da Alltech (Lexington, KY, USA). Os substratos de plástico flutuam na água e são mantidos em constante movimento por uma tubulação que injeta ar no fundo de cada compartimento do tanque
Biofiltro (montado em um tanque de fibra de vidro com divisórias de tela) com grande quantidade de substratos de plástico em suspensão (fluidizado) que suporta um sistema de recirculação de médio porte, usado para estudos nutricionais e para produção de tilápias nas instalações da Alltech (Lexington, KY, USA). Os substratos de plástico flutuam na água e são mantidos em constante movimento por uma tubulação que injeta ar no fundo de cada compartimento do tanque
 
Biofiltro submerso com bolas de plástico vazadas (“bioballs”) em um sistema demonstrativo de recirculação com truta arco-íris em Xangai, na China
Biofiltro submerso com bolas de plástico vazadas (“bioballs”) em um sistema demonstrativo de recirculação com truta arco-íris em Xangai, na China
 
Biofiltros com substratos de plástico contidos em tanques e mantidos em suspensão e constante movimento por meio de um sistema de ar difuso colocado no assoalho dos tanques
Biofiltros com substratos de plástico contidos em tanques e mantidos em suspensão e constante movimento por meio de um sistema de ar difuso colocado no assoalho dos tanques
 
Aquaponia (produção de plantas e pescado) em um mesmo sistema de recirculação. Tanques (caixas d’água) com visor de acrílico onde são criados os peixes (tilápia). Tanque de hidroponia com pés de alfaces acomodados em placas de isopor (ao fundo da foto os tanques com tilápia). As excreções dos peixes provêm nutrientes para as plantas e as plantas servem como filtro biológico para o sistema, removendo nitrato e outros nutrientes da água e provendo substrato (raízes) para fixação de bactérias autotróficas que fazem a transformação (oxidação) da amônia a nitrito e do nitrito a nitrato
Aquaponia (produção de plantas e pescado) em um mesmo sistema de recirculação. Tanques (caixas d’água) com visor de acrílico onde são criados os peixes (tilápia). Tanque de hidroponia com pés de alfaces acomodados em placas de isopor (ao fundo da foto os tanques com tilápia). As excreções dos peixes provêm nutrientes para as plantas e as plantas servem como filtro biológico para o sistema, removendo nitrato e outros nutrientes da água e provendo substrato (raízes) para fixação de bactérias autotróficas que fazem a transformação (oxidação) da amônia a nitrito e do nitrito a nitrato

Considerações finais

Espero que esse artigo seja de alguma utilidade aos interessados e iniciantes na criação de peixes e camarões em SRA ou sistemas BFT. Aqui foram abordados apenas alguns dos aspectos relacionados a esses sistemas. Muito mais tem que ser estudado e aprendido. Entendo que os vídeos na WEB e programas na TV são extremamente atrativos para se visualizar a infraestrutura e equipamentos usados nos criatórios. Porém, muitas vezes as informações providas nesses vídeos podem ser equivocadas ou podem ser apresentadas de maneira incompleta, sem um adequado entendimento da estratégia de produção. Desse modo, é importante que os interessados busquem literatura técnica, publicada em revistas ou em sites específicos, e de reconhecida contribuição ao setor aquícola. Contar com o suporte técnico especializado de profissionais com experiência na produção de pescado nesses sistemas também ajuda muito a evitar erros primários na montagem da infraestrutura e na condução do cultivo.

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