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Artigo analisa cenário mundial dos aquíferos
Uma análise recente dos pesquisadores Marco Gomes e Lauro Pereira, da Embrapa Meio Ambiente (Jaguariúna, SP), publicada na Revista Científica Núcleo do Conhecimento (publicação on-line),levanta alguns problemas e destaca cenários no mundo com foco na quantidade e qualidade da água subterrânea, buscando despertar uma reflexão sobre a iminência de uma grave crise hídrica mundial, influenciada pelo crescimento populacional e pelas mudanças climáticas, principalmente. Assim, de acordo com os pesquisadores, é preciso conhecer os problemas hídricos em escala global para agir em escala local, criando uma rede sustentável de consciência e ação em prol desse importante recurso natural.
O cenário exige a necessidade urgente de ações para minimizar o desperdício, como também a implantação de programas de controle de exploração em todo o Planeta. “Mesmo as ações urgentes têm um tempo limitado", acredita o pesquisador Marco Gomes, "a partir do qual o cenário de escassez torna-se irreversível”.
Ao longo dos últimos 20 anos, os cenários críticos sobre escassez hídrica são debatidos, porém, as iniciativas e tomadas de decisão não tiveram êxito, mostrando, na prática, que não ocorreu avanço significativo em relação ao consumo consciente e adequado da água.
No Brasil, o reuso da água teve poucos avanços em décadas, assim como projetos voltados para o aproveitamento da água das chuvas e também de implantação de estações de tratamento de esgotos ou resíduos sólidos urbanos (ETE’s) em todas as cidades acima de 50.000 habitantes, com previsão a partir de 2012, e que não foram concretizados até hoje.
A proteção dos aquíferos, sob uma perspectiva sustentável, passa necessariamente pelo controle e proteção das áreas de recarga e também pelos poços tubulares profundos abertos, considerando um limite de explotação diário e a adoção de faixas, zonas ou perímetros de proteção contra potenciais fontes de contaminação.
De acordo com Gomes, é preciso reavaliar o procedimento atual, com adoção de normas rígidas de controle, aliadas a outros meios de uso racional e equilibrado das águas superficiais. No caso específico do Brasil, além da adoção de procedimentos de proteção dos poços, que se restringe praticamente ao estado de São Paulo, seria oportuno o incentivo à ocupação de áreas menos povoadas, no sentido de se buscar maior equilíbrio na relação densidade “populacional x disponibilidade hídrica”. Essa sim, embora mais difícil e onerosa, seria a melhor opção para aliviar a pressão de uso dos aquíferos da região centro-sul do país, enfatiza o pesquisador.
Cenário dos principais aquíferos do Brasil
O Brasil possui uma ótima legislação sobre a proteção dos recursos naturais, mas, quanto à fiscalização, os autores acreditam que deveria ser atuante de forma mais contundente e permanente, com penalidades de alto potencial de inibição.
De fato, o país dispõe de uma imensa reserva de água subterrânea, cujos valores até 2010 eram estimados em 112.300 km3 de água (1km3 corresponde a 1 trilhão de litros), distribuídos da seguinte forma: 42.830 km3 na região amazônica, 18.670 km3 no nordeste e 50.800 km3 na região centro-sul/sudeste. Porém, estudos posteriores sobre os aquíferos da Amazônia, envolvendo pesquisadores da Universidade Federal do Pará,concluíram que a reserva permanente de água subterrânea no país teve um aumento da ordem de 119.690 km3, passando então para 231.990 km3 de água. Esse aumento ocorreu após as reavaliações das reservas dos Aquíferos Alter do Chão, Solimões e Içá que antes tinham reservas estimadas em 42.830 km3. Após essa descoberta, o conjunto de aquíferos passou a ser chamado de Sistema Aquífero Grande Amazônia – SAGA, com um potencial de armazenamento da ordem de 162.520 km3 de água.
De qualquer forma, somente parte dessa água poderá ser retirada, em função de alguns fatores fundamentais, como custos elevados/inviáveis para retirada a grandes profundidades e colapso de caráter geológico, devido à formação de grandes espaços vazios, antes ocupados pela água. Estudos de caráter hidrogeológico mostram que a explotação de água subterrânea deve obedecer a critérios essenciais, como avaliação da entrada anual de água das chuvas, a partir do balanço hídrico nas áreas de recarga, e estimativa do potencial de recarregamento do aquífero, com a consequente formação das reservas renováveis (ativas) ou reguladoras; e retirada anual de água, tendo por base o correspondente a 25% do volume do potencial de recarga, principalmente para aquíferos sedimentares, que são mais vulneráveis aos colapsos de ordem geológica.
Outra região com destaque é a do Pantanal Mato-grossense, principalmente a porção correspondente ao estado do Mato Grosso do Sul. Lá ocorrem os Aquíferos da Era Cenozoica, Bauru, Serra Geral e Guarani, entre outros de menor porte, que, juntos, formam uma reserva expressiva, com potencial renovável da ordem de 50 km3 por ano e reserva explotável de 10 km3 por ano, considerando a retirada de 20% do total de recarga anual, de acordo com normas vigentes do governo estadual.
O aumento da pressão de uso dos aquíferos pode ser explicado, por exemplo, pela falta de perfuração de poços profundos em quase todos os estados do Brasil, ausência de um plano de proteção das áreas de afloramento e falta de uso controlado e racional da água nos setores agrícola, urbano e industrial.
Conforme mencionado pelos pesquisadores, os resíduos prejudiciais à saúde estão presentes em quase todos os aquíferos do mundo. “Uma vez aberto um poço para captação de água, seja em área confinada ou de recarga, tem-se o início do risco de contaminação que pode ocorrer das mais diversas formas e fontes de origem, seja agrícola, urbana ou industrial”.
Em se tratando, especificamente, de áreas de recarga, os riscos de contaminação são mais evidentes devido à baixa profundidade da zona saturada, uma vez que não existe nenhum pacote de rochas atuando como obstáculo de proteção para a movimentação de produtos potencialmente poluidores. Na prática, os riscos podem ser medidos a partir de estudos de avaliação do risco potencial de contaminação que têm por base a combinação de resultados de análises de vulnerabilidade (exposição da área) e de carga contaminante (produtos químicos usados), associada às cargas pontuais e difusas.
Sustentabilidade
Esse quadro de riscos pode ser revertido se forem implantadas, de fato, medidas de proteção. O controle rígido de abertura de poços profundos e a efetivação dos Perímetros de Proteção de Poços (PPPs), por exemplo, constituem os primeiros passos, pois além de ter maior controle sobre o consumo, estabelece uma área de proteção nas imediações de um poço tubular profundo, onde as atividades relacionadas ao uso e ocupação das terras apresentam algum tipo de potencial para afetar, tanto a qualidade como a quantidade de água. Os PPPs são estabelecidos em faixas ou zonas, de acordo com a distância entre o poço e as atividades potencialmente poluidoras, como também em relação ao tempo de deslocamento de algum composto poluente até ele.
Outras ações de proteção incluem os estudos de risco em suas áreas de recarga. Também são aliados a educação ambiental, o reuso da água, a legislação pertinente e a fiscalização constante.
Cenário mundial
A água subterrânea representa algo em torno de 96% de toda a água doce disponível no mundo. Países como Arábia Saudita, Dinamarca e Malta, por exemplo, utilizam exclusivamente a água subterrânea para o abastecimento humano. Já na Áustria, Alemanha, Bélgica, França, Hungria, Itália, Holanda, Marrocos, Rússia e Suíça, pouco mais de 2/3 da água consumida pela população é proveniente dos aquíferos, o que corresponde a valores em torno de 70% do consumo total desses países. Tal cenário coloca em risco a sustentabilidade dos aquíferos de um modo geral, considerando que outros países como EUA e Canadá possuem também alto consumo de água subterrânea.
Outro fato agravante, além da escassez crescente, é a distribuição desigual das águas subterrâneas ao longo do Planeta. Por exemplo, determinadas regiões do Oriente Médio, da África, como também de parte da Ásia, tem apresentado uma crise severa e persistente em relação à disponibilidade de água, tanto superficial quanto subterrânea. Tal cenário piora na medida em que se agravam os problemas de saneamento básico para boa parte da população.
Existem 37 aquíferos de grande importância mundial, sendo que 21 deles encontram-se sob condição de estresse hídrico, ou seja, com extração superior à recarga. Uma análise mais apurada, no entanto, indica que 13 deles apresentam condições “muito críticas” devido à superexploração. De modo geral, o cenário é preocupante em todos eles, já que sofrem, constantemente, fortes pressões de consumo aliado a um problema de ordem climática, representado pelo desequilíbrio dos índices pluviométricos em nível global.
Por Cristina Tordin (MTB 28499) - Embrapa Meio Ambiente
Foto: Divulgação
O cenário exige a necessidade urgente de ações para minimizar o desperdício, como também a implantação de programas de controle de exploração em todo o Planeta. “Mesmo as ações urgentes têm um tempo limitado", acredita o pesquisador Marco Gomes, "a partir do qual o cenário de escassez torna-se irreversível”.
Ao longo dos últimos 20 anos, os cenários críticos sobre escassez hídrica são debatidos, porém, as iniciativas e tomadas de decisão não tiveram êxito, mostrando, na prática, que não ocorreu avanço significativo em relação ao consumo consciente e adequado da água.
No Brasil, o reuso da água teve poucos avanços em décadas, assim como projetos voltados para o aproveitamento da água das chuvas e também de implantação de estações de tratamento de esgotos ou resíduos sólidos urbanos (ETE’s) em todas as cidades acima de 50.000 habitantes, com previsão a partir de 2012, e que não foram concretizados até hoje.
A proteção dos aquíferos, sob uma perspectiva sustentável, passa necessariamente pelo controle e proteção das áreas de recarga e também pelos poços tubulares profundos abertos, considerando um limite de explotação diário e a adoção de faixas, zonas ou perímetros de proteção contra potenciais fontes de contaminação.
De acordo com Gomes, é preciso reavaliar o procedimento atual, com adoção de normas rígidas de controle, aliadas a outros meios de uso racional e equilibrado das águas superficiais. No caso específico do Brasil, além da adoção de procedimentos de proteção dos poços, que se restringe praticamente ao estado de São Paulo, seria oportuno o incentivo à ocupação de áreas menos povoadas, no sentido de se buscar maior equilíbrio na relação densidade “populacional x disponibilidade hídrica”. Essa sim, embora mais difícil e onerosa, seria a melhor opção para aliviar a pressão de uso dos aquíferos da região centro-sul do país, enfatiza o pesquisador.
Cenário dos principais aquíferos do Brasil
O Brasil possui uma ótima legislação sobre a proteção dos recursos naturais, mas, quanto à fiscalização, os autores acreditam que deveria ser atuante de forma mais contundente e permanente, com penalidades de alto potencial de inibição.
De fato, o país dispõe de uma imensa reserva de água subterrânea, cujos valores até 2010 eram estimados em 112.300 km3 de água (1km3 corresponde a 1 trilhão de litros), distribuídos da seguinte forma: 42.830 km3 na região amazônica, 18.670 km3 no nordeste e 50.800 km3 na região centro-sul/sudeste. Porém, estudos posteriores sobre os aquíferos da Amazônia, envolvendo pesquisadores da Universidade Federal do Pará,concluíram que a reserva permanente de água subterrânea no país teve um aumento da ordem de 119.690 km3, passando então para 231.990 km3 de água. Esse aumento ocorreu após as reavaliações das reservas dos Aquíferos Alter do Chão, Solimões e Içá que antes tinham reservas estimadas em 42.830 km3. Após essa descoberta, o conjunto de aquíferos passou a ser chamado de Sistema Aquífero Grande Amazônia – SAGA, com um potencial de armazenamento da ordem de 162.520 km3 de água.
De qualquer forma, somente parte dessa água poderá ser retirada, em função de alguns fatores fundamentais, como custos elevados/inviáveis para retirada a grandes profundidades e colapso de caráter geológico, devido à formação de grandes espaços vazios, antes ocupados pela água. Estudos de caráter hidrogeológico mostram que a explotação de água subterrânea deve obedecer a critérios essenciais, como avaliação da entrada anual de água das chuvas, a partir do balanço hídrico nas áreas de recarga, e estimativa do potencial de recarregamento do aquífero, com a consequente formação das reservas renováveis (ativas) ou reguladoras; e retirada anual de água, tendo por base o correspondente a 25% do volume do potencial de recarga, principalmente para aquíferos sedimentares, que são mais vulneráveis aos colapsos de ordem geológica.
Outra região com destaque é a do Pantanal Mato-grossense, principalmente a porção correspondente ao estado do Mato Grosso do Sul. Lá ocorrem os Aquíferos da Era Cenozoica, Bauru, Serra Geral e Guarani, entre outros de menor porte, que, juntos, formam uma reserva expressiva, com potencial renovável da ordem de 50 km3 por ano e reserva explotável de 10 km3 por ano, considerando a retirada de 20% do total de recarga anual, de acordo com normas vigentes do governo estadual.
O aumento da pressão de uso dos aquíferos pode ser explicado, por exemplo, pela falta de perfuração de poços profundos em quase todos os estados do Brasil, ausência de um plano de proteção das áreas de afloramento e falta de uso controlado e racional da água nos setores agrícola, urbano e industrial.
Conforme mencionado pelos pesquisadores, os resíduos prejudiciais à saúde estão presentes em quase todos os aquíferos do mundo. “Uma vez aberto um poço para captação de água, seja em área confinada ou de recarga, tem-se o início do risco de contaminação que pode ocorrer das mais diversas formas e fontes de origem, seja agrícola, urbana ou industrial”.
Em se tratando, especificamente, de áreas de recarga, os riscos de contaminação são mais evidentes devido à baixa profundidade da zona saturada, uma vez que não existe nenhum pacote de rochas atuando como obstáculo de proteção para a movimentação de produtos potencialmente poluidores. Na prática, os riscos podem ser medidos a partir de estudos de avaliação do risco potencial de contaminação que têm por base a combinação de resultados de análises de vulnerabilidade (exposição da área) e de carga contaminante (produtos químicos usados), associada às cargas pontuais e difusas.
Sustentabilidade
Esse quadro de riscos pode ser revertido se forem implantadas, de fato, medidas de proteção. O controle rígido de abertura de poços profundos e a efetivação dos Perímetros de Proteção de Poços (PPPs), por exemplo, constituem os primeiros passos, pois além de ter maior controle sobre o consumo, estabelece uma área de proteção nas imediações de um poço tubular profundo, onde as atividades relacionadas ao uso e ocupação das terras apresentam algum tipo de potencial para afetar, tanto a qualidade como a quantidade de água. Os PPPs são estabelecidos em faixas ou zonas, de acordo com a distância entre o poço e as atividades potencialmente poluidoras, como também em relação ao tempo de deslocamento de algum composto poluente até ele.
Outras ações de proteção incluem os estudos de risco em suas áreas de recarga. Também são aliados a educação ambiental, o reuso da água, a legislação pertinente e a fiscalização constante.
Cenário mundial
A água subterrânea representa algo em torno de 96% de toda a água doce disponível no mundo. Países como Arábia Saudita, Dinamarca e Malta, por exemplo, utilizam exclusivamente a água subterrânea para o abastecimento humano. Já na Áustria, Alemanha, Bélgica, França, Hungria, Itália, Holanda, Marrocos, Rússia e Suíça, pouco mais de 2/3 da água consumida pela população é proveniente dos aquíferos, o que corresponde a valores em torno de 70% do consumo total desses países. Tal cenário coloca em risco a sustentabilidade dos aquíferos de um modo geral, considerando que outros países como EUA e Canadá possuem também alto consumo de água subterrânea.
Outro fato agravante, além da escassez crescente, é a distribuição desigual das águas subterrâneas ao longo do Planeta. Por exemplo, determinadas regiões do Oriente Médio, da África, como também de parte da Ásia, tem apresentado uma crise severa e persistente em relação à disponibilidade de água, tanto superficial quanto subterrânea. Tal cenário piora na medida em que se agravam os problemas de saneamento básico para boa parte da população.
Existem 37 aquíferos de grande importância mundial, sendo que 21 deles encontram-se sob condição de estresse hídrico, ou seja, com extração superior à recarga. Uma análise mais apurada, no entanto, indica que 13 deles apresentam condições “muito críticas” devido à superexploração. De modo geral, o cenário é preocupante em todos eles, já que sofrem, constantemente, fortes pressões de consumo aliado a um problema de ordem climática, representado pelo desequilíbrio dos índices pluviométricos em nível global.
Por Cristina Tordin (MTB 28499) - Embrapa Meio Ambiente
Foto: Divulgação