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​Comissão internacional estabelece cota para Brasil pescar tubarão azul


Uma decisão da Comissão Internacional de Conservação dos Atuns do Atlântico (ICCAT) deve deixar mais tranquilos os brasileiros que gostam de saborear o tubarão azul, conhecido popularmente na mesa, restaurantes e nos bufês de self service como cação. Formado por 82 países, o colegiado aceitou a proposta de estabelecer uma cota de pesca de 27.711 toneladas da espécie para o Atlântico Sul, sendo 3.481 toneladas para o Brasil. A decisão visa manter a pesca na categoria Rendimento Máximo Sustentável (RMS).
 “A aprovação do limite, a partir de uma proposta formulada pelo Brasil em conjunto com outros países, deve ser ainda mais valorizada porque garantimos cotas justas de captura depois de negociações duras com a Comunidade Europeia e com a Namíbia”, disse em nota a secretária de Registro, Monitoramento e Pesquisa do Ministério da Pesca e Aquicultura, Flávia Lucena Frédou, que liderou a comitiva brasileira na reunião no Egito, no final de novembro.
 
O tubarão azul é a espécie mais produtiva e abundante nos oceanos. No Brasil, são capturadas mais de 3 mil toneladas por ano desde 2018, sempre como fauna acompanhante previsível, ou seja, uma pesca acessória na captura alvo de atuns.
 
A carne é consumida em postas pelos brasileiros e as barbatanas do tubarão são exportadas para países do Oriente, principalmente para a China onde são consumidas como iguarias que simbolizam riqueza, prestígio e sofisticação.
 
 
Rodrigo Sant’ana, professor e pesquisador da Escola do Mar, Ciência e Tecnologia da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), que já representou o Brasil nas discussões da ICCAT, acompanhou desta vez as reuniões on-line e disse que ficou satisfeito com o resultado. Segundo ele, por muitos anos o tubarão azul foi uma espécie acompanhante na pesca oceânica, mas vem ganhando mais relevância e novo status no país.
 
Desta vez, quem representou o Brasil ao vivo foi o pesquisador Luis Gustavo Cardoso, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele integrou o comitê científico dos países signatários da comissão, que fez as avaliações dos estoques para a definição das cotas. Enquanto o Brasil manteve um valor próximo à média capturada nos últimos cinco anos, a União Europeia teve uma redução de 25%.
 
O diretor do Departamento de Pesca Industrial, Amadora e Esportiva do MPA, Édipo Cruz, disse que agora vai ser preciso um esforço nacional para assegurar o cumprimento da cota.
 
É a mesma preocupação da Oceana, ONG internacional para conservação dos oceanos com filial no Brasil, que considerou um avanço o estabelecimento de cotas.
 
“Defendemos que as Organizações Regionais de Gestão Pesqueira, como a ICCAT, tomem medidas concretas tais como cotas de pesca e procedimentos de gestão que possibilitem o uso sustentável desses recursos, sempre se baseando na melhor informação científica disponível e no princípio da precaução frente às incertezas. No caso brasileiro, o desafio será agora controlar nossa cota de 3.481 toneladas”, disse Martin Dias, diretor científico da Oceana Brasil.
 
O controle da pesca é feito por monitoramento dos mapas de bordo, que deve ser entregue pelas embarcações 15 dias depois do desembarque do pescado. Instituições de pesquisas e universidades também monitoram quanto foi pescado. Os dados são cruzados pelo MPA, encarregado de informar as autoridades internacionais.
'É um alívio', diz entidade pesqueira
O estabelecimento da cota agradou ao Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe), que representa os interesses patronais pesqueiros e se define como entidade que pratica lobby transparente com base em sustentação técnica.
 
“A cota dá um alívio para o setor. Há dois anos, a tendência do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) era listar o tubarão azul entre as espécies vulneráveis, com risco de extinção, por conta dos achismos das estatísticas brasileiras. Entramos em discussão e eles cederam. A pesca do tubarão azul já era regulamentada no Brasil, mas agora, o ICCAT formalizou como recurso pesqueiro que pode ser explorado”, disse à Globo Rural Cadu Villaça, oceanógrafo e presidente do Conepe.
 
Na avaliação do coletivo, o relatório feito pelos cientistas que embasou a decisão do ICCAT aponta para a alta produtividade do tubarão azul, espécie capaz de suportar mortalidades por pesca acima de 25 mil toneladas anuais no Atlântico Sul.
 
“Isto levou grupos ambientalistas e ONGs renomadas e anteriormente repulsivas à pesca desta espécie a reconhecê-la como um recurso pesqueiro e recomendar seu uso, mas claro, com níveis de segurança ainda mais reforçados, o que é coerente com a tese conservacionista que defendem.”
 
 
Tiago Oliveira Ramos, dono de uma embarcação que pesca tubarão-azul na região Sul do país, também comemorou a decisão do ICCAT: “Com as dúvidas que existem nas leis brasileiras, nunca sabemos o que está correto ou não. Essas novas medidas de gestão são necessárias para ter uma pesca sustentável e fico feliz que isso esteja evoluindo.”
 
Espinhéis
Não há tamanho mínimo estabelecido e nem defeso do tubarão azul, que é pescado por embarcações industriais com mais de 15 metros em toda a costa brasileira, com destaque para Rio Grande do Sul, Santa Catarina e região Norte. Geralmente, a espécie é capturada nos espinhéis lançados pelos barcos com licença de pesca de atuns e afins.
 
O tubarão azul não tem defeso mas, segundo Villaça, cresce a tendência de se definir uma medida de proteção às fêmeas (identificadas facilmente por uma cloaca na parte inferior do corpo) visando manter os estoques. “Diferentemente de outros pescados, a fêmea leva o filhote na barriga”, explica.
 
O tubarão azul é a espécie de cação mais capturada no mundo, com cerca de 200 mil toneladas. Ele pode chegar a 3,94 metros, mas os mais comuns têm entre 1,5 m e 3 m, segundo o pesquisador da Univali.
 
“O grande mercado consumidor é São Paulo. É o peixe branco à milanesa sem espinhos servido nos bufês. É um peixe de valor menor que cabe no bolso da classe média e média baixa”, diz Sant’Ana.
Para o consumo interno, o Brasil ainda importa cerca de 6 mil toneladas por ano, principalmente do Uruguai e União Europeia, sendo o maior consumidor e importador dessa carne.
 
Barbatanas
O país também exporta, mas o foco não é a carne e sim as barbatanas. No Brasil, já houve polêmicas com denúncias de captura do tubarão unicamente para retirada das barbatanas e o descarte do corpo ou charuto no mar, mas, diz Villaça, o país se tornou há mais de 15 anos um dos primeiros a ter uma lei que proíbe a prática do finning (retirada das barbatanas ou nadadeiras com devolução do tubarão vivo mutilado ao mar).
 
“A barbatana é uma das partes do tubarão que agrega valor à biomassa retirada do mar, mas é obrigatório que seja desembarcada anexada ao peixe”, explica o presidente do Conepe
 
Nem todos obedecem à lei, no entanto. Em junho, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apreendeu 28,7 toneladas de barbatanas de tubarão em uma empresa exportadora de Santa Catarina e no Aeroporto de Cumbica.
 
Segundo o órgão, foi a maior apreensão do tipo já registrada no mundo. As barbatanas seriam exportadas, ilegalmente, para a Ásia. A estimativa é que foi necessário matar 10 mil tubarões, sendo 4.400 azul e 5.600 tubarão anequim, para obter esse volume de barbatanas.
 
Reunião
Em  19 e 20 de dezembro, em Natal, no Rio Grande do Norte, aconteceu a 3ª Reunião Ordinária do CPG (Comitê Permanentes de Gestão da Pesca) Atuns e Afins, reunindo representantes do Ministério da Pesca, cientistas e integrantes da cadeia pesqueira. As recomendações do ICCAT para a pesca do tubarão azul estão na pauta do encontro.
Por Eliane Silva — Ribeirão Preto (SP) – Globo Rural
Foto: Diego Delso/Wikimedia Commons