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Fazer filé e produzir a própria ração


Aí está o sonho de muito piscicultor. E até mesmo de quem ainda nem começou a criar peixes. Um sonho que pode virar pesadelo. Já abordei em separado estes dois assuntos. Desta vez achei mais pertinente abordar os dois juntos, pois, tem sido grande a quantidade de produtores e investidores que me procuram com esta dupla de ideias já pré-estabelecida. Escrevo artigos e gravo vídeos sempre com a intenção de servir o setor produtivo. Não me importo de por vezes ser repetitivo. O importante mesmo é escolher a melhor forma de se comunicar e assim deixar uma contribuição.
 
É fato que nossa aquicultura vem se profissionalizando, inclusive, a passos largos. Neste sentido, iniciativas como estas também merecem ser avaliadas como empreendedorismo e busca por eficiência dos sistemas produtivos. Mas... na prática, no dia a dia, não é o que venho observando. O que mais chega até mim são piscicultores e pessoas interessadas em partir para a produção própria de ração e/ou filetar o próprio pescado com informações levianas e sem lastro. Muita emoção e pouca razão.
No caso da ração, olham o preço da máquina e a produtividade por hora. Procuram na internet uma fórmula genérica de ração para peixe, rabiscam algumas contas e pronto; decisão tomada. No caso do filé, olham para o preço lá na gondola do supermercado e comparam com o valor recebido pelo peixe inteiro. “-Nossa, muito mais negócio fazer filé!” A coisa é mais embaixo. Beeemmm mais embaixo! Muitas ideias, muito otimismo e pouco planejamento sério.
 
Sensacional as inúmeras opções que encontram-se disponíveis no mercado em termos de equipamentos de pequeno porte para a produção de ração. Torço muito para o sucesso destas iniciativas. Porém é necessário ter um entendimento maior sobre tudo que está envolvido neste negócio. Não é somente preço e produtividade do equipamento. Disponibilidade, logística e custo de matérias-primas devem ser levados em consideração. Quantidade mínima a ser produzida também. Na maioria dos casos a inviabilidade está justamente na produção de pequenas quantidades.
 
Também sou favorável às iniciativas de agregar valor ao peixe produzido. Mas não precisa entrar de cara na produção de filé. Primeiro tem que ser muito bom na arte de produzir peixe com eficiência. Depois tentar um peixe eviscerado, depois em posta e quem sabe um dia o filé. Mas antes de chegar no filé, faça conta. Muita conta! E não esqueça de considerar que para cada quilo de filé produzido gera dois quilos de resíduos (cabeça, pele, escama e vísceras). E que a viabilidade deste tipo de negócio envolve estratégias de aproveitamento destes resíduos. E tem também uma coisa chata e burocrática que poucos consideram: inspeção sanitária. Seja municipal, estadual ou federal, é algo que custa, é demorado e extremamente complexo (pra não dizer desanimador).
 
É grande a minha convicção que ao pequeno produtor que queira agregar valor ao seu peixe produzido, fazer a posta é muito mais negócio do que fazer filé. E, claro, atrelar isto a nichos de mercado diferente, fugindo da concorrência com grandes produtores de filé.
 
Tenho visto mais iniciativas bem-sucedidas de gente fazendo filé que produzindo a própria ração. Aliás, produzindo a própria ração só conheço um caso bem-sucedido. No caso da produção de filé, muitas iniciativas sem a inspeção. Entendo os motivos e torço absurdamente para o sucesso destes negócios. Não é porque não possuem o selo de inspeção que não tem higiene. São estruturas de beneficiamento bem montadas e a preocupação com os aspectos de segurança alimentar existem. Mas, as leis, as regras, os custos e a complexidade, não colaboram para a legalidade destas iniciativas. Lamentável.
 
Por fim, fica o recado para não confundir empolgação com visão empreendedora quando o assunto é produzir a própria ração e fazer filé.  Tenha em mente que tanto um, quanto o outro, envolve praticamente um novo negócio que irá demandar tanta dedicação e investimento quanto produzir peixe. Primeiro seja bom, muito bom, em produzir peixe. Depois procure opções de agregar valor ou reduzir custos. E lembre-se: evitar investimento mal feito é tão importante quanto produzir com eficiência.
Por Fábio Rosa Sussel/ Aquaculture  Brasil
Foto: Divulgação