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Insetos como alimento na aquicultura – O que mudou desde 2019?


Na edição de janeiro/fevereiro de 2019, a Panorama da AQÜICULTURA publicou em sua matéria de capa um artigo sobre o uso de insetos como alimento na aquicultura. Mais de dois anos se passaram e muitas coisas evoluíram nesse campo desde então. Projeções de mercado, investimentos em empresas, dados técnicos produtivos e marcos regulatórios são alguns dos temas a serem abordados neste artigo, que tem como objetivo atualizar o leitor sobre esse crescente mercado e as tecnologias desenvolvidas aplicáveis à nutrição aquícola. Recomendamos a leitura prévia da matéria publicada na edição 171, em 2019, para a devida inteiração e máximo aproveitamento desse artigo.
 
 
 De acordo com as projeções da FAO e do Fórum Econômico Mundial, até o ano de 2050 seremos aproximadamente 10 bilhões de pessoas no mundo, o que representa aproximadamente 2,3 bilhões de pessoas a mais do que os dias atuais. Teremos que produzir 56% mais alimentos, sem crescer proporcionalmente a utilização dos recursos naturais, como água, terra e energia, e ao mesmo tempo, reduzir as emissões de CO2  em 67%. Portanto,  o  tema  sustentabilidade  não  é  mais  tratado  como  mero  modismo,  é  uma questão de sobrevivência. E por essas razões, os insetos alimentícios têm estado cada vez mais sob os holofotes.
 
A produção e uso de insetos na alimentação animal (e até mesmo humana), além de proporcionar um alimento de alta qualidade nutricional, vai de encontro à pauta mundial da sustentabilidade, cumprindo com ao menos 10 das 17 Metas de Desenvolvimento Sustentável da ONU, tendo em vista que a produção dos insetos demanda muito menos recursos naturais (água, energia e área), pode ser realizada a partir de resíduos orgânicos, e emite menos gases do efeito estufa quando comparado a outros alimentos proteicos de origem animal.  
 
Dados mercadológicos
 
Alguns levantamentos e projeções mercadológicas  sobre os insetos alimentícios foram publicados  desde  a  publicação da última  matéria  da  Panorama da  AQÜICULTURA.  A  Global  Market  Insights reportou um tamanho global de mercado de US$ 112 milhões para o ano de 2019, com crescimento anual estimado de 47% entre 2019 e 2026, chegando a mais de US$ 1,5 bilhão em 2026. A Research and Markets relatou que o mercado global de insetos alimentícios pode quase triplicar entre 2018 e 2023 chegando a US$ 1,18 bilhão. Ademais, de acordo com a Meticulous Research, o mercado de insetos alimentícios na América Latina deve quase triplicar em cinco anos, representando US$ 250,6 milhões em 2030, quase um quarto  do valor do mercado  mundial esperado e muito próximo do estimado para o mercado europeu (US$ 250,6 milhões). 
 
 
 
Hoje a associação europeia de produtores de insetos alimentícios (IPIFF – International Platform of Insects for Food and Feed), possui 78 membros de 24 países e juntos produziram mais de 6 mil toneladas de insetos alimentícios em 2019, com investimento de mais de 1 bilhão de euros em suas empresas. Como exemplo de grandes empreendimentos podem ser citadas as empresas: Ynsect (França) com investimentos na ordem de US$ 399 milhões, Agriprotein (África do Sul) com US$ 122 milhões investidos e a Protix (Holanda) com US$ 70 milhões. Na ordem de US$ 5 a 15 milhões investidos poderiam ser citadas mais de uma dezena de empresas pelo mundo. 
 
Comparados a outros nichos de mercado da nutrição animal, esses valores podem até não ser tão expressivos, mas já são suficientes para dizer que os insetos alimentícios não são mais um alimento do futuro, já são uma realidade. É claro que, para que os insetos se tornem uma matéria-prima usual na indústria de nutrição animal, principalmente no Brasil, os desafios de volume de produção, padrão de qualidade e preço deverão ser superados. No entanto, sabe-se também  que  a  demanda  por  proteína  animal  de  origem  sustentável,  além  dos  produtos orgânicos, está crescendo cada vez mais, nichos esses em que a proteína de inseto pode ter grande aplicabilidade. 
 
Cabe  ressaltar  também  que  os  empreendimentos  produtores  de  insetos  alimentícios podem diferir muito quanto tecnologia e recursos financeiros aplicados, tornando possível implementar sistemas produtivos bastante versáteis, do mais simples (onde se encontra a maioria das empresas brasileiras) até os mais robustos, como já podemos constatar na Europa, América do Norte e Ásia.
 
No Brasil, os primeiros grandes projetos de produção de insetos alimentícios já começaram a ser desenhados por investidores, fundos de investimentos e/ou grandes empresas, ainda que não seja possível e permitido fornecer maiores detalhes sobre esses projetos agora. A expectativa  é que  o  mercado  de  insetos  alimentícios  esteja bastante  aquecido  no  Brasil  e América Latina dentro dos próximos anos.
 
 
 
Marcoregulatório brasileiro
 
Muitas pessoas perguntam se é permitido  no Brasil o uso de insetos na alimentação animal. E a resposta é sim, é permitido, com restrição apenas para uso na alimentação de ruminantes. Em 24 de novembro de 2020 foi publicada a IN 110/2020 do MAPA, a qual traz a lista de matérias-primas aprovadas como  ingredientes, aditivos e veículos para o uso na alimentação animal. Nessa lista, encontram-se as seguintes espécies e formas de insetos alimentícios:
 
• barata cinérea (Nauphoeta cinerea)  adulta desidratada
 
• farinha de crisálida
 
 
 • farinha de crisálida desengordurada
 
• farinha de larvas de mosca-soldado negra
 
   (Hermetia illucens) desidratada
 
• grilo preto (Gryllus assimilis) adulto desidratado
 
 
 • larvas desidratadas de tenébrio comum
 
  (Tenebrio molitor)
 
• larvas desidratadas de tenébrio gigante (Zophobas morio)
 
Pesquisa e Desenvolvimento
 
 
Não só o mercado empresarial, mas a ciência mundial também tem voltado sua atenção ao uso de insetos na nutrição aquícola. Uma rápida pesquisa no Web of Science revelou a publicação  de 845 artigos científicos entre os anos de 2019 a 2021 relacionados aos termos ‘Fish’ e ‘Nutrition’  e ‘Insects’. Isso demostra não só a importância que a academia tem dado ao assunto, mas sobretudo a evolução do conhecimento técnico-científico na área. De modo geral, é possível afirmar que hoje já não restam mais dúvidas que os insetos podem ser uma alternativa sustentável para a nutrição animal.
 
Mais que um alimento proteico
 
O uso  de  insetos  na nutrição  aquícola e o  efeito  sobre  o  desempenho de  peixes e camarões vem sendo bastante estudado nos últimos anos. Uma excelente revisão sobre esse tema foi publicada recentemente na revista científica Aquaculture (2021), na qual a autora Hua relata que os resultados podem variar de acordo com as espécies de peixe e insetos utilizadas, bem como a forma de processamento do inseto (ex: farinha integral, parcialmente desengordurada ou totalmente desengordurada). De modo geral, os peixes toleram bem a inclusão de insetos na dieta. Altos níveis de inclusão (acima de 29%) de farinha de larva de mosca-soldado negra pode ter efeito negativo sobre o desempenho de alguns peixes.
 
A farinha de larva de tenébrio parece ser mais tolerada pelos animais. No entanto, mais do que uma simples fonte de nutrientes, alguns estudos demonstram que os insetos possuem efeitos prebiótico, melhorador de resposta imune e da resistência às doenças de peixes (Gasco et al. 2018; Alves et al. 2021). Insetos podem também ser rica fonte de peptídeos bioativos, com atividades antioxidante e antiinflamatória, além de possuírem ácidos graxos (como o ácido láurico, principal componente do óleo de larva de mosca-soldado negra) com funções antimicrobianas e melhoradora da saúde intestinal dos animais (Borrelli et al. 2021; Rimoldi et al. 2021). Até mesmo aumento da vida de prateleira já foi constatado em rações que continham o óleo do inseto, devido a sua ação antioxidante e antimicrobiana (Makkar et al. 2014).
 
 
 
 A quitina, principal componente do exoesqueleto dos insetos, e seu derivado quitosana, também melhoram as respostas imunes inata e adaptativa em peixes, além de modular a microbiota intestinal, com efeitos positivos no desempenho e na saúde dos animais (Karlsen et al., 2017).  De acordo com estudo feito por Bruni et al., 2018, trutas arco-íris alimentadas com farinha de larva da  mosca-soldado   negra  apresentaram aumento de bactérias  benéficas do gênero (Carnobacterium), que são conhecidos probióticos  em salmonídeos e possuem várias funções, tais como inibição do crescimento de patógenos, estimulação de resposta imune não específica e melhora de resistência à doenças.
 
Aceitação do consumidor
 
 A inclusão de insetos na dieta de organismos aquáticos não está relacionada somente aos quesitos técnicos, econômicos e regulatórios. Também está relacionada à percepção, preferência e aceitação dos consumidores de pescado com esse tipo de alimentação. A maioria dos estudos publicados mostrou que a percepção e preferência do consumidor em relação ao uso de insetos alimentícios seria, a priori, positiva. Outro aspecto de grande relevância é a  disposição  do  consumidor  em  pagar  pelo pescado produzido de forma sustentável à base de insetos alimentícios. Um estudo realizado na Espanha demonstrou que os consumidores de dourada (Sparus aurata) estão dispostos a pagar um “prêmio”, ou seja, um valor a mais, por douradas alimentadas com farinha de inseto em comparação aos peixes alimentados com farinha de peixe (Ferrer Llagostera et al., 2019).
 
A percepção dos consumidores ingleses sobre a inclusão de insetos alimentícios em rações comerciais para salmão foi investigada por Popoff et al. (2017). Um consenso geral de aprovação foi observado entre os consumidores, com apenas 10% dos entrevistados se opondo à inclusão de insetos na alimentação dos peixes. Na Itália, os consumidores de pescados também demonstraram 90% de aceitação de uso de insetos como alimento para os peixes de acordo com o estudo realizado por Mancuso et al., 2016. Por fim, e também muito importante, alguns estudos foram realizados para averiguar a aceitação sensorial (sabor, aroma e textura) dos consumidores de filé de peixes alimentados com insetos. De modo geral, os resultados das análises sensoriais mostraram que não há grandes efeitos no sabor, aroma e textura nos filés de peixes alimentados com rações convencionais em comparação aos alimentados com ração contendo farinha de inseto (Sogari et al., 2019).
 
CLIA2021
 
 
No intuito  de projetar  o  mercado  latino-americano e trazer o  estado-da-arte  para os interessados, será realizado neste ano, nos dias 1, 2 e 3 de dezembro, o CLIA 2021 – Congresso Latino-americano de Insetos Alimentícios. O evento será online e bilingue (português/ espanhol) e abordará os principais aspectos da produção de insetos e uso na alimentação animal e humana. Além de trazer os principais expoentes da área como palestrantes, o evento contará também com o lançamento do livro sobre os aspectos produtivos e regulatórios de insetos alimentícios no Brasil, um prato cheio para quem se interessa pelo tema.
Por Revista Panorama da Aquicultura
Foto: Divulgação