Artigo
Lagosta: quebra do tabu na captura e modernização da política de pesca
“É complicado! Não vai dar certo! Não se metam com isso! Essa pescaria não tem jeito!” São frases que eu sempre ouvi sobre a pesca da lagosta no Brasil. Será?
Na madrugada de 1º de maio, uma equipe da Oceana acompanhou na Praia Redonda, município de Icapuí, no Ceará, as embarcações à vela se lançarem ao mar para mais uma temporada de pesca das lagostas vermelha (P. argus) e verde (P. laevicauda). Dessa vez, o começo de safra esteve cercado de otimismo.
Pescadores e pescadoras artesanais estampavam esperança diante do que consideramos ser a quebra de um tabu e uma vitória coletiva marcante: a adoção, pelo governo federal, de um limite anual de captura para a lagosta. A medida é o primeiro passo para garantir o futuro da atividade – uma esperança - dentro de um sistema de governança pesqueira engessado e ultrapassado, estabelecido pela Lei Federal nº 11.959, de 2009.
Na safra de 2024, poderão ser capturadas até 6.192 toneladas de lagostas vermelha e verde. Quando o volume pescado atingir 95% desse volume, o governo federal publicará, no Diário Oficial da União (DOU), o aviso para que as embarcações cessem as suas operações em, no máximo, 15 dias.
Publicada no dia 30 de abril, a Portaria Interministerial nº 11/2024, dos Ministérios da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), reflete um raro consenso entre pescadores e pescadoras, a comunidade científica e a indústria que processa e exporta lagostas.
Desde 2019, a Oceana dialoga intensamente com todos os atores que compõem essa cadeia produtiva no Brasil para, assim, construir juntos uma proposta capaz de impactar positivamente a atividade. O objetivo é pescar com responsabilidade, possibilitando a recuperação da população dessas espécies, que apresentou uma redução de mais de 80% desde a década de 1950, com o início da pescaria em Pernambuco e no Ceará, principalmente.
Além do horizonte
Historicamente, a pesca da lagosta tem desempenhado um papel significativo na economia e na cultura marítima do Brasil. São cerca de quatro mil embarcações e 15 mil famílias que realizam sua captura e comercialização, gerando empregos e renda para as comunidades costeiras, sobretudo no Nordeste, além de contribuir para a segurança alimentar e a balança comercial do País, que alcançou, em 2022, uma receita em exportações na casa dos R$ 400 milhões.
No entanto, a intensificação da pesca comercial levou as populações a níveis preocupantes, com consequências negativas para o ecossistema marinho e para as comunidades que dependem desse recurso. Em 2020, publicamos o estudo inédito Avaliação de estoque da lagosta-vermelha (P. argus): análise sequencial de populações e dinâmica de biomassa, onde alertamos, à luz da ciência pesqueira, para o fato de que a biomassa desse estoque estava demasiadamente reduzida e em situação de risco. Tudo indicava para o iminente colapso dessa pescaria tão valiosa para o País.
Implementar medidas que limitam a produção com base nas características biológicas dos recursos é essencial para garantir a sustentabilidade das pescarias. No caso da lagosta, a adoção de outras estratégias de gestão, como um tamanho mínimo e a proibição de captura de indivíduos ovados, permite que o estoque se recupere e se mantenha saudável. De agora em diante, é fundamental que o limite de captura seja respeitado, bem monitorado e que medidas complementares para recuperar o estoque sejam debatidas e gradualmente incorporadas às próximas safras.
Outro ponto crucial é o rigor com a fiscalização, especialmente durante o período de defeso, quando a comercialização no mercado interno é proibida entre fevereiro e abril.
O que acontece agora com a pesca da lagosta nos mostra que devemos insistir para que a gestão seja constantemente aprimorada para se adequar à situação dos recursos, com base no que a ciência pesqueira diz. Esse deve ser um princípio das políticas públicas do País, e, por isso, a urgência de reescrever o atual marco regulatório pesqueiro nacional que passa longe desse princípio .
Essa pescaria pode ainda fazer lembrar a todos da importância de conservar e gerir de forma responsável os recursos naturais, para que possamos continuar desfrutando dos benefícios que o mar nos oferece por muitas gerações.
Por Ademilson Zamboni - Diretor-geral da Oceana Brasil. Oceanólogo, mestre e doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo
Créditos da imagem: Déborah Gouthier/ Oceana
Na madrugada de 1º de maio, uma equipe da Oceana acompanhou na Praia Redonda, município de Icapuí, no Ceará, as embarcações à vela se lançarem ao mar para mais uma temporada de pesca das lagostas vermelha (P. argus) e verde (P. laevicauda). Dessa vez, o começo de safra esteve cercado de otimismo.
Pescadores e pescadoras artesanais estampavam esperança diante do que consideramos ser a quebra de um tabu e uma vitória coletiva marcante: a adoção, pelo governo federal, de um limite anual de captura para a lagosta. A medida é o primeiro passo para garantir o futuro da atividade – uma esperança - dentro de um sistema de governança pesqueira engessado e ultrapassado, estabelecido pela Lei Federal nº 11.959, de 2009.
Na safra de 2024, poderão ser capturadas até 6.192 toneladas de lagostas vermelha e verde. Quando o volume pescado atingir 95% desse volume, o governo federal publicará, no Diário Oficial da União (DOU), o aviso para que as embarcações cessem as suas operações em, no máximo, 15 dias.
Publicada no dia 30 de abril, a Portaria Interministerial nº 11/2024, dos Ministérios da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), reflete um raro consenso entre pescadores e pescadoras, a comunidade científica e a indústria que processa e exporta lagostas.
Desde 2019, a Oceana dialoga intensamente com todos os atores que compõem essa cadeia produtiva no Brasil para, assim, construir juntos uma proposta capaz de impactar positivamente a atividade. O objetivo é pescar com responsabilidade, possibilitando a recuperação da população dessas espécies, que apresentou uma redução de mais de 80% desde a década de 1950, com o início da pescaria em Pernambuco e no Ceará, principalmente.
Além do horizonte
Historicamente, a pesca da lagosta tem desempenhado um papel significativo na economia e na cultura marítima do Brasil. São cerca de quatro mil embarcações e 15 mil famílias que realizam sua captura e comercialização, gerando empregos e renda para as comunidades costeiras, sobretudo no Nordeste, além de contribuir para a segurança alimentar e a balança comercial do País, que alcançou, em 2022, uma receita em exportações na casa dos R$ 400 milhões.
No entanto, a intensificação da pesca comercial levou as populações a níveis preocupantes, com consequências negativas para o ecossistema marinho e para as comunidades que dependem desse recurso. Em 2020, publicamos o estudo inédito Avaliação de estoque da lagosta-vermelha (P. argus): análise sequencial de populações e dinâmica de biomassa, onde alertamos, à luz da ciência pesqueira, para o fato de que a biomassa desse estoque estava demasiadamente reduzida e em situação de risco. Tudo indicava para o iminente colapso dessa pescaria tão valiosa para o País.
Implementar medidas que limitam a produção com base nas características biológicas dos recursos é essencial para garantir a sustentabilidade das pescarias. No caso da lagosta, a adoção de outras estratégias de gestão, como um tamanho mínimo e a proibição de captura de indivíduos ovados, permite que o estoque se recupere e se mantenha saudável. De agora em diante, é fundamental que o limite de captura seja respeitado, bem monitorado e que medidas complementares para recuperar o estoque sejam debatidas e gradualmente incorporadas às próximas safras.
Outro ponto crucial é o rigor com a fiscalização, especialmente durante o período de defeso, quando a comercialização no mercado interno é proibida entre fevereiro e abril.
O que acontece agora com a pesca da lagosta nos mostra que devemos insistir para que a gestão seja constantemente aprimorada para se adequar à situação dos recursos, com base no que a ciência pesqueira diz. Esse deve ser um princípio das políticas públicas do País, e, por isso, a urgência de reescrever o atual marco regulatório pesqueiro nacional que passa longe desse princípio .
Essa pescaria pode ainda fazer lembrar a todos da importância de conservar e gerir de forma responsável os recursos naturais, para que possamos continuar desfrutando dos benefícios que o mar nos oferece por muitas gerações.
Por Ademilson Zamboni - Diretor-geral da Oceana Brasil. Oceanólogo, mestre e doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo
Créditos da imagem: Déborah Gouthier/ Oceana