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Maior parte da lagosta brasileira tem origem na pesca ilegal
A pesca da lagosta no Brasil, segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura (MAP), ocorre principalmente nos Estados do Ceará e Rio Grande do Norte, usa cerca de 3.000 embarcações artesanais legalizadas e dá emprego a aproximadamente 12 mil pescadores artesanais.
No entanto, a atividade tem um número bem maior (e desconhecido) de barcos e pescadores sem registro que não respeitam o defeso e usam técnicas não regulamentadas para a captura dos crustáceos, como o mergulho com compressor.
Martin Dias, diretor-científico da Oceana, ONG focada na proteção dos mares, diz que a ilegalidade é muito grande porque a atividade é feita em pequena escala por milhares de pequenas embarcações e falta fiscalização ao longo do litoral e da cadeia produtiva.
Geralmente, os pescadores sem registro entregam a lagosta para atravessadores que levam para as indústrias, onde a rastreabilidade é mínima.
"Falta controle. É tudo feito no papel. Em muitos casos, o atravessador coloca a produção de vários pescadores ilegais dentro da nota fiscal de um pescador autorizado. Se alguém checasse, veria que aquele pescador artesanal não tem capacidade de capturar todo aquele volume da nota. Precisaria ter um controle automático como se tem na malha fina da Receita Federal com integração entre sistemas e alertas em casos de irregularidades", afirma Dias.
A fiscalização caberia ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e aos policiais ambientais, enquanto o Ministério da Agricultura e Pecuária e o MAP deveriam cuidar da rastreabilidade.
“Temos procurado dar uma atenção muito grande a essa questão da fiscalização, que ficou bem prejudicada devido ao sucateamento dos órgãos. Está regulamentado apenas um método de pesca menos agressivo com o uso dos manzuás, mas devemos debater também se essas medidas são pertinentes ainda”, diz Ormezita Barbosa, coordenadora-geral de gestão participativa costeiro-marinha da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal do MPA.
Mergulho com compressor
A pesca da lagosta feita com mergulho e compressor ainda é considerada ilegal, mas é uma prática usada largamente no Rio Grande do Norte, há mais de 20 anos. Ormezita não descarta a regulamentação dessa prática no novo Plano de Gestão.
Atualmente, o único equipamento permitido para a pesca é o manzuá ou covo, uma espécie de gaiola-armadilha feita artesanalmente com varas finas que os pescadores lançam a partir de 4 milhas náuticas (7,2 km da praia) e recolhem várias vezes durante a pescaria. A malha entrelaçada do manzuá permite a fuga das lagostas com menos de 13 cm.
No mergulho, um equipamento rústico é ligado a um motor que leva ar aos pescadores, que chegam à profundidade de até 80 metros. Sem capacitação, eles se arriscam a sofrer a descompressão, o que causa mortes e paralisia.
“Desde a introdução da pesca da lagosta com mergulho, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o covo passou a ser gradualmente dispensado por não apresentar viabilidade pois o custo médio de confecção de R$ 70 é bastante elevado para uma durabilidade de, no máximo, três meses”, diz o economista Antonio-Alberto Cortez, especialista em pesca e aquicultura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Ele acrescenta que um pescador que tem 45 anos hoje praticamente nasceu e cresceu vendo seus pais e vizinhos pescando lagosta com mergulho. Ou seja, não conhece outra prática.
“Não discuto se esse hábito cultural é bom ou ruim. Sei apenas que está arraigado e não será eliminado mediante instrumentos, mesmo que legais, se paralelamente à aplicação da norma, não vier junto um conjunto de medidas que satisfaçam às necessidades dos trabalhadores.”
Em maio, o professor participou de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte para debater a regulamentação do mergulho. Uma instrução normativa permitiu a prática, mas os pescadores aguardam sua regulamentação pelo ministério.
Antes disso, diz a coordenadora da pesca artesanal do MAP, é necessário capacitar e certificar os pescadores-mergulhadores na Marinha. “É um tema complexo porque envolve risco aos pescadores. O uso do manzuá é o correto ambientalmente, mas sabemos que tem ônus financeiro para o pescador.”
Prevenção
A prática ilegal no Rio Grande do Norte levou à realização em maio do ano passado do 1º Simpósio de Prevenção de Acidentes de Mergulho na Pesca de Lagosta, na capital, Natal.
Realizado pelo Tribunal Marítimo, o simpósio reuniu representantes da Marinha do Brasil, das colônias de pesca, do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte, de empresários do ramo lagosteiro e integrantes do governo estadual.
No encontro, o capitão-de-corveta Nelson Andrade Junior, especialista em medicina hiperbárica, disse que os acidentes fatais ou com danos graves e até irreversíveis aos pescadores têm aumentado no Estado pelo uso de aparelhos de mergulho com mais frequência e porque as pessoas não estão preparadas para a atividade de mergulho.
Segundo Andrade Junior, dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) incluem o mergulho como uma das atividades mais perigosas do mundo, seguida pela atividade de pesca embarcada, também extremamente perigosa.
Para o professor Cortez, a liberação do mergulho sem políticas públicas que venham a garantir a segurança do pescador será muito ruim porque vai atrair mais gente para a atividade e pode aumentar o número de acidentes. Ele ressalta que só há câmera hiperbárica na capital.
“Seria preciso instalar mais câmeras em alguns pontos do litoral para socorrer os pescadores em casos de descompressão.”
Além do mergulho, os pescadores de lagostas costumam usar também caçoeiras (redes de arrasto ou de espera), consideradas ilegais.
Marambaia
Outra prática comum no Rio Grande do Norte é o depósito ilegal de milhares de atratores de lagostas no mar, chamados de marambaias.
Segundo Cortez, são jogadas carcaças de carros, armários, geladeiras velhas, fogões e outros itens no mar que servem de abrigo para as lagostas, facilitando a sua captura pelos mergulhadores.
Por Eliane Silva — São Paulo – Revista Globo Rural
Foto: Divulgação
No entanto, a atividade tem um número bem maior (e desconhecido) de barcos e pescadores sem registro que não respeitam o defeso e usam técnicas não regulamentadas para a captura dos crustáceos, como o mergulho com compressor.
Martin Dias, diretor-científico da Oceana, ONG focada na proteção dos mares, diz que a ilegalidade é muito grande porque a atividade é feita em pequena escala por milhares de pequenas embarcações e falta fiscalização ao longo do litoral e da cadeia produtiva.
Geralmente, os pescadores sem registro entregam a lagosta para atravessadores que levam para as indústrias, onde a rastreabilidade é mínima.
"Falta controle. É tudo feito no papel. Em muitos casos, o atravessador coloca a produção de vários pescadores ilegais dentro da nota fiscal de um pescador autorizado. Se alguém checasse, veria que aquele pescador artesanal não tem capacidade de capturar todo aquele volume da nota. Precisaria ter um controle automático como se tem na malha fina da Receita Federal com integração entre sistemas e alertas em casos de irregularidades", afirma Dias.
A fiscalização caberia ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e aos policiais ambientais, enquanto o Ministério da Agricultura e Pecuária e o MAP deveriam cuidar da rastreabilidade.
“Temos procurado dar uma atenção muito grande a essa questão da fiscalização, que ficou bem prejudicada devido ao sucateamento dos órgãos. Está regulamentado apenas um método de pesca menos agressivo com o uso dos manzuás, mas devemos debater também se essas medidas são pertinentes ainda”, diz Ormezita Barbosa, coordenadora-geral de gestão participativa costeiro-marinha da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal do MPA.
Mergulho com compressor
A pesca da lagosta feita com mergulho e compressor ainda é considerada ilegal, mas é uma prática usada largamente no Rio Grande do Norte, há mais de 20 anos. Ormezita não descarta a regulamentação dessa prática no novo Plano de Gestão.
Atualmente, o único equipamento permitido para a pesca é o manzuá ou covo, uma espécie de gaiola-armadilha feita artesanalmente com varas finas que os pescadores lançam a partir de 4 milhas náuticas (7,2 km da praia) e recolhem várias vezes durante a pescaria. A malha entrelaçada do manzuá permite a fuga das lagostas com menos de 13 cm.
No mergulho, um equipamento rústico é ligado a um motor que leva ar aos pescadores, que chegam à profundidade de até 80 metros. Sem capacitação, eles se arriscam a sofrer a descompressão, o que causa mortes e paralisia.
“Desde a introdução da pesca da lagosta com mergulho, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, o covo passou a ser gradualmente dispensado por não apresentar viabilidade pois o custo médio de confecção de R$ 70 é bastante elevado para uma durabilidade de, no máximo, três meses”, diz o economista Antonio-Alberto Cortez, especialista em pesca e aquicultura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Ele acrescenta que um pescador que tem 45 anos hoje praticamente nasceu e cresceu vendo seus pais e vizinhos pescando lagosta com mergulho. Ou seja, não conhece outra prática.
“Não discuto se esse hábito cultural é bom ou ruim. Sei apenas que está arraigado e não será eliminado mediante instrumentos, mesmo que legais, se paralelamente à aplicação da norma, não vier junto um conjunto de medidas que satisfaçam às necessidades dos trabalhadores.”
Em maio, o professor participou de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte para debater a regulamentação do mergulho. Uma instrução normativa permitiu a prática, mas os pescadores aguardam sua regulamentação pelo ministério.
Antes disso, diz a coordenadora da pesca artesanal do MAP, é necessário capacitar e certificar os pescadores-mergulhadores na Marinha. “É um tema complexo porque envolve risco aos pescadores. O uso do manzuá é o correto ambientalmente, mas sabemos que tem ônus financeiro para o pescador.”
Prevenção
A prática ilegal no Rio Grande do Norte levou à realização em maio do ano passado do 1º Simpósio de Prevenção de Acidentes de Mergulho na Pesca de Lagosta, na capital, Natal.
Realizado pelo Tribunal Marítimo, o simpósio reuniu representantes da Marinha do Brasil, das colônias de pesca, do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte, de empresários do ramo lagosteiro e integrantes do governo estadual.
No encontro, o capitão-de-corveta Nelson Andrade Junior, especialista em medicina hiperbárica, disse que os acidentes fatais ou com danos graves e até irreversíveis aos pescadores têm aumentado no Estado pelo uso de aparelhos de mergulho com mais frequência e porque as pessoas não estão preparadas para a atividade de mergulho.
Segundo Andrade Junior, dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) incluem o mergulho como uma das atividades mais perigosas do mundo, seguida pela atividade de pesca embarcada, também extremamente perigosa.
Para o professor Cortez, a liberação do mergulho sem políticas públicas que venham a garantir a segurança do pescador será muito ruim porque vai atrair mais gente para a atividade e pode aumentar o número de acidentes. Ele ressalta que só há câmera hiperbárica na capital.
“Seria preciso instalar mais câmeras em alguns pontos do litoral para socorrer os pescadores em casos de descompressão.”
Além do mergulho, os pescadores de lagostas costumam usar também caçoeiras (redes de arrasto ou de espera), consideradas ilegais.
Marambaia
Outra prática comum no Rio Grande do Norte é o depósito ilegal de milhares de atratores de lagostas no mar, chamados de marambaias.
Segundo Cortez, são jogadas carcaças de carros, armários, geladeiras velhas, fogões e outros itens no mar que servem de abrigo para as lagostas, facilitando a sua captura pelos mergulhadores.
Por Eliane Silva — São Paulo – Revista Globo Rural
Foto: Divulgação