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Mulheres avançam em posições de liderança no agro do Nordeste
A produtora rural Rayssa Chaves se casou levando nas mãos um buquê de alface hidropônica, para simbolizar a importância que a hortaliça tem em sua trajetória de vida. Desde 2020, ela administra o Rancho Isabelle Chaves, localizado na zona rural de João Pessoa (PB), onde foi realizada a cerimônia de casamento.
Ela abastece a capital paraibana com uma hortaliça de alto valor agregado, que gera rendimentos até 20% superiores aos de uma alface convencional, além de produz microvegetais apreciados pelos restaurantes de alta gastronomia.
O terreno de 4 hectares foi comprado em 1997 pelos pais de Rayssa, e o rancho leva o nome de Isabelle em homenagem a uma irmã falecida. Naquela época o uso era apenas como local de lazer, e se plantavam inhame, batata-doce e mandioca, apenas para consumo da família.
"Quando meu pai morreu, em 2001, ficou uma lacuna. Eu fui cursar a faculdade de Direito, me formei, e continuamos com a propriedade apenas por uma questão afetiva. Em dezembro de 2019, porém, surgiu uma oportunidade de negócios, e, em janeiro do ano seguinte, tomamos a decisão de abrir a empresa", disse a agricultora em entrevista à Globo Rural.
Com um investimento inicial de R$ 50 mil, ela começou a produção hidropônica do rancho. Ela explica que, tecnicamente, no sistema hidropônico o cultivo das plantas é feito na água, em uma estrutura suspensa e apoiada em canaletas, por onde é feita a fertirrigação.
A água utilizada é mineral, um diferencial do processo produtivo, retirada de dois poços artesianos. As hortaliças são avaliadas diariamente, e os micro e macronutrientes, que passam pelas canaletas, são encaminhados na quantidade certa que a planta precisa, o que lhe confere condições nutritivas melhores quando comparado aos cultivos tradicionais.
"Eu consigo uma planta maior, com peso maior, com viscosidade maior, com mais durabilidade, que é o que chamamos de 'shelf live'. O tempo de prateleira (no varejo) de um hidropônico é bem maior do que o convencional por conta dessa nutrição", explicou.
Além disso, ela acredita que a formação de parcerias com os clientes torna a prestação de serviço mais completa. "A gente explica o que é o hidropônico, qual é a vantagem dele e também tenta entender quais são as demandas dos restaurantes, por exemplo, para ver o que podemos desenvolver aqui para melhor atendê-los", acrescentou.
Isso porque um dos negócios do Rancho Isabelle Chaves é o cultivo de microvegetais – pequenos legumes e hortaliças que se desenvolvem rápido em uma estufa (de sete a 14 dias até a colheita) e também são tratados como produtos de valor agregado, graças ao manejo e ao sabor diferenciados.
"Os microvegetais são um nicho que a gente trouxe para a região e estamos explorando há um tempo. Tem outras pessoas fazendo, mas em escala menor, então, profissionalmente mesmo, só temos nós aqui", afirmou Rayssa.
A produtora conta que essas plantinhas caíram nas graças dos chefes de cozinha da Paraíba e a intenção é mergulhar em um processo de expansão, começando pelos estados vizinhos: Rio Grande do Norte e Pernambuco. Ao lado da estufa de microvegetais, há uma parte da fazenda dedicada ao cultivo de diversos tipos de flores, a grande maioria comestíveis, e ervas frescas, que também são fornecidas aos restaurantes da região, para finalização de pratos ou harmonização de temperos.
O rancho ainda aposta em estratégias de economia circular e as sobras de hortaliças que não são vendidas vão para a alimentação de um criatório de aves, como patos, galinhas e galinhas-d'angola que cantam "tô fraca, tô fraca" o tempo todo.
Os dejetos desses animais, que são tratados como os "pets" do rancho, voltam para o cultivo agrícola na forma de fertilizantes. Em uma outra vertente, Rayssa mantém uma pequena criação de abelhas, que ajudam no equilíbrio do ecossistema da propriedade.
O próximo passo, que está em fase de planejamento, é a tomada de um financiamento bancário para a implantação de placas para captação de energia solar, um investimento inicial estimado em torno de R$ 140 mil. O Nordeste conta com mulheres que, assim como Rayssa, protagonizam a história de diversas propriedades rurais.
"São elas que às vezes estão nos bastidores, mas também são grandes líderes. Aqui, falta comunicação. É por isso que um dos propósitos que temos na empresa é trazer mais mulheres para o agro e fortalecer a cadeia, não só na Paraíba, como também nos estados vizinhos", afirmou.
Dados do Censo Agropecuário 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o mais recente do setor, mostram que, a cada dez chefes de fazenda no Brasil, dois são do sexo feminino. O setor é a área de atuação com maior presença feminina: o número de mulheres que lideram propriedades rurais no país cresceu de 13%, em 2006, para 19%, em 2017.
A participação feminina é ainda maior quando somadas as mulheres que administram o estabelecimento agropecuário junto ao esposo, pai ou irmão: chega a 34,75%, o que representa mais de 1,7 milhão de mulheres chefiando a produção agropecuária brasileira.
Os estados com mais estabelecimentos rurais dirigidos por mulheres estão no Nordeste. Ainda de acordo com o Censo de 2017, a Bahia ocupa o primeiro lugar, com 194 mil propriedades, seguida de Pernambuco e Ceará.
Marcia Kafensztok, gestora da Primar Aquacultura, primeira fazenda do setor com certificação orgânica do Brasil, que produz ostras e camarões em Tibau do Sul (RN) disse à Globo Rural que a participação das mulheres poderia ser muito maior no agronegócio, e talvez até seja, mas com histórias que não estão sendo contadas.
"É uma pontinha do iceberg o que a gente está vendo. Temos um movimento bonito, que é o de começar a dar espaço para a mulher dizer como ingressou no agro, como a gente trabalha", afirmou. "É desafiador? É desafiador, sim, o mercado como um todo, e ainda mais a área rural, em que bem mais homens do que mulheres aparecem nas atividades. Mas a gente tem tanta capacidade quanto eles de gerenciar um agronegócio", acrescentou.
Sergina Dantas, analista e gestora dos projetos de bioeconomia na Unidade de Desenvolvimento Rural do Sebrae/RN, representa um das parceiras fundamentais para a fazenda de Márcia. "Na Primar, para toda a certificação orgânica, a gente aporta 70%", disse ela sobre o auxílio financeiro fornecido pelo Sebrae.
Segundo Sergina Dantas, a organização recebe recursos do governo para dar apoio à agropecuária de pequeno e médio porte na região. Esse suporte é tanto financeiro quanto de consultoria, para profissionalização da gestão nas propriedades.
"Nossa realidade no Nordeste é de um produtor rural que vive daquilo, mas ele dificilmente tem só uma coisa, vai ter um gado, uma horta, e a ideia é fazer com que ele entenda aquilo como um negócio que pode ser produtivo e rentável", explicou.
É nesse contexto que também entra a participação crescente das mulheres, que, na avaliação de Sergina, têm uma sensibilidade maior na gestão, organização e na liderança – a exemplo de Márcia, que também contou com o apoio do Sebrae quando precisou começar a chefiar a Primar, após o falecimento de seu marido, em 2015.
"O que temos visto é um protagonismo maior feminino nas propriedades rurais e negócios de forma geral. Essa ‘feminilização’ do meio rural está acontecendo também porque está sendo mais divulgada", ressaltou a analista do Sebrae do Rio Grande do Norte.
As dificuldades na sucessão familiar e, em consequência, o envelhecimento das famílias no campo são outros fatores que impulsionam a participação das mulheres nos negócios rurais. “As famílias têm se dividido, com as mulheres na organização e o homens no trabalho braçal", contou Sergina Dantas.
Além de serem produtoras rurais atuantes no Nordeste, Rayssa Chaves e Márcia Kafensztok têm mais uma coisa em comum: elas foram as únicas duas contempladas no prêmio Mulheres do Agro vindas dessa região, na premiação promovida pela Bayer e pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) desde 2018.
Daniela Barros, diretora de comunicação da divisão agrícola da Bayer no Brasil, afirmou que o prêmio, além de funcionar como um reconhecimento ao trabalho, é também um incentivo para que as mulheres amplifiquem a voz que elas já têm.
"Quando uma mulher fala, ela também fala em nome de outras mulheres, e isso vai reverberando. As histórias existem, e elas precisam ser contadas", disse Daniela Barros. O prêmio está na sexta edição neste ano.
Por Nayara Figueiredo — João Pessoa (PB) e Tibau do Sul (RN) – Revista Globo Rural
Foto: Divulgação
Ela abastece a capital paraibana com uma hortaliça de alto valor agregado, que gera rendimentos até 20% superiores aos de uma alface convencional, além de produz microvegetais apreciados pelos restaurantes de alta gastronomia.
O terreno de 4 hectares foi comprado em 1997 pelos pais de Rayssa, e o rancho leva o nome de Isabelle em homenagem a uma irmã falecida. Naquela época o uso era apenas como local de lazer, e se plantavam inhame, batata-doce e mandioca, apenas para consumo da família.
"Quando meu pai morreu, em 2001, ficou uma lacuna. Eu fui cursar a faculdade de Direito, me formei, e continuamos com a propriedade apenas por uma questão afetiva. Em dezembro de 2019, porém, surgiu uma oportunidade de negócios, e, em janeiro do ano seguinte, tomamos a decisão de abrir a empresa", disse a agricultora em entrevista à Globo Rural.
Com um investimento inicial de R$ 50 mil, ela começou a produção hidropônica do rancho. Ela explica que, tecnicamente, no sistema hidropônico o cultivo das plantas é feito na água, em uma estrutura suspensa e apoiada em canaletas, por onde é feita a fertirrigação.
A água utilizada é mineral, um diferencial do processo produtivo, retirada de dois poços artesianos. As hortaliças são avaliadas diariamente, e os micro e macronutrientes, que passam pelas canaletas, são encaminhados na quantidade certa que a planta precisa, o que lhe confere condições nutritivas melhores quando comparado aos cultivos tradicionais.
"Eu consigo uma planta maior, com peso maior, com viscosidade maior, com mais durabilidade, que é o que chamamos de 'shelf live'. O tempo de prateleira (no varejo) de um hidropônico é bem maior do que o convencional por conta dessa nutrição", explicou.
Além disso, ela acredita que a formação de parcerias com os clientes torna a prestação de serviço mais completa. "A gente explica o que é o hidropônico, qual é a vantagem dele e também tenta entender quais são as demandas dos restaurantes, por exemplo, para ver o que podemos desenvolver aqui para melhor atendê-los", acrescentou.
Isso porque um dos negócios do Rancho Isabelle Chaves é o cultivo de microvegetais – pequenos legumes e hortaliças que se desenvolvem rápido em uma estufa (de sete a 14 dias até a colheita) e também são tratados como produtos de valor agregado, graças ao manejo e ao sabor diferenciados.
"Os microvegetais são um nicho que a gente trouxe para a região e estamos explorando há um tempo. Tem outras pessoas fazendo, mas em escala menor, então, profissionalmente mesmo, só temos nós aqui", afirmou Rayssa.
A produtora conta que essas plantinhas caíram nas graças dos chefes de cozinha da Paraíba e a intenção é mergulhar em um processo de expansão, começando pelos estados vizinhos: Rio Grande do Norte e Pernambuco. Ao lado da estufa de microvegetais, há uma parte da fazenda dedicada ao cultivo de diversos tipos de flores, a grande maioria comestíveis, e ervas frescas, que também são fornecidas aos restaurantes da região, para finalização de pratos ou harmonização de temperos.
O rancho ainda aposta em estratégias de economia circular e as sobras de hortaliças que não são vendidas vão para a alimentação de um criatório de aves, como patos, galinhas e galinhas-d'angola que cantam "tô fraca, tô fraca" o tempo todo.
Os dejetos desses animais, que são tratados como os "pets" do rancho, voltam para o cultivo agrícola na forma de fertilizantes. Em uma outra vertente, Rayssa mantém uma pequena criação de abelhas, que ajudam no equilíbrio do ecossistema da propriedade.
O próximo passo, que está em fase de planejamento, é a tomada de um financiamento bancário para a implantação de placas para captação de energia solar, um investimento inicial estimado em torno de R$ 140 mil. O Nordeste conta com mulheres que, assim como Rayssa, protagonizam a história de diversas propriedades rurais.
"São elas que às vezes estão nos bastidores, mas também são grandes líderes. Aqui, falta comunicação. É por isso que um dos propósitos que temos na empresa é trazer mais mulheres para o agro e fortalecer a cadeia, não só na Paraíba, como também nos estados vizinhos", afirmou.
Dados do Censo Agropecuário 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o mais recente do setor, mostram que, a cada dez chefes de fazenda no Brasil, dois são do sexo feminino. O setor é a área de atuação com maior presença feminina: o número de mulheres que lideram propriedades rurais no país cresceu de 13%, em 2006, para 19%, em 2017.
A participação feminina é ainda maior quando somadas as mulheres que administram o estabelecimento agropecuário junto ao esposo, pai ou irmão: chega a 34,75%, o que representa mais de 1,7 milhão de mulheres chefiando a produção agropecuária brasileira.
Os estados com mais estabelecimentos rurais dirigidos por mulheres estão no Nordeste. Ainda de acordo com o Censo de 2017, a Bahia ocupa o primeiro lugar, com 194 mil propriedades, seguida de Pernambuco e Ceará.
Marcia Kafensztok, gestora da Primar Aquacultura, primeira fazenda do setor com certificação orgânica do Brasil, que produz ostras e camarões em Tibau do Sul (RN) disse à Globo Rural que a participação das mulheres poderia ser muito maior no agronegócio, e talvez até seja, mas com histórias que não estão sendo contadas.
"É uma pontinha do iceberg o que a gente está vendo. Temos um movimento bonito, que é o de começar a dar espaço para a mulher dizer como ingressou no agro, como a gente trabalha", afirmou. "É desafiador? É desafiador, sim, o mercado como um todo, e ainda mais a área rural, em que bem mais homens do que mulheres aparecem nas atividades. Mas a gente tem tanta capacidade quanto eles de gerenciar um agronegócio", acrescentou.
Sergina Dantas, analista e gestora dos projetos de bioeconomia na Unidade de Desenvolvimento Rural do Sebrae/RN, representa um das parceiras fundamentais para a fazenda de Márcia. "Na Primar, para toda a certificação orgânica, a gente aporta 70%", disse ela sobre o auxílio financeiro fornecido pelo Sebrae.
Segundo Sergina Dantas, a organização recebe recursos do governo para dar apoio à agropecuária de pequeno e médio porte na região. Esse suporte é tanto financeiro quanto de consultoria, para profissionalização da gestão nas propriedades.
"Nossa realidade no Nordeste é de um produtor rural que vive daquilo, mas ele dificilmente tem só uma coisa, vai ter um gado, uma horta, e a ideia é fazer com que ele entenda aquilo como um negócio que pode ser produtivo e rentável", explicou.
É nesse contexto que também entra a participação crescente das mulheres, que, na avaliação de Sergina, têm uma sensibilidade maior na gestão, organização e na liderança – a exemplo de Márcia, que também contou com o apoio do Sebrae quando precisou começar a chefiar a Primar, após o falecimento de seu marido, em 2015.
"O que temos visto é um protagonismo maior feminino nas propriedades rurais e negócios de forma geral. Essa ‘feminilização’ do meio rural está acontecendo também porque está sendo mais divulgada", ressaltou a analista do Sebrae do Rio Grande do Norte.
As dificuldades na sucessão familiar e, em consequência, o envelhecimento das famílias no campo são outros fatores que impulsionam a participação das mulheres nos negócios rurais. “As famílias têm se dividido, com as mulheres na organização e o homens no trabalho braçal", contou Sergina Dantas.
Além de serem produtoras rurais atuantes no Nordeste, Rayssa Chaves e Márcia Kafensztok têm mais uma coisa em comum: elas foram as únicas duas contempladas no prêmio Mulheres do Agro vindas dessa região, na premiação promovida pela Bayer e pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) desde 2018.
Daniela Barros, diretora de comunicação da divisão agrícola da Bayer no Brasil, afirmou que o prêmio, além de funcionar como um reconhecimento ao trabalho, é também um incentivo para que as mulheres amplifiquem a voz que elas já têm.
"Quando uma mulher fala, ela também fala em nome de outras mulheres, e isso vai reverberando. As histórias existem, e elas precisam ser contadas", disse Daniela Barros. O prêmio está na sexta edição neste ano.
Por Nayara Figueiredo — João Pessoa (PB) e Tibau do Sul (RN) – Revista Globo Rural
Foto: Divulgação