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Novo biomaterial leva medicamento diretamente ao intestino de peixes


Um novo biomaterial desenvolvido na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) pode ajudar a resolver dois problemas de uma só vez. A biopartícula pode carrear medicamentos diretamente ao intestino de peixes, ajudando a enfrentar a resistência microbiana aos antibióticos convencionais, por exemplo. Além disso, mostrou-se altamente palatável aos animais, o que pode aumentar a efetividade dos tratamentos e reduzir o desperdício e a poluição inerentes à administração de medicamentos para peixes.
Os resultados foram publicados na revista Biomaterials Advances.
“Nossa biopartícula consegue passar pelo trato digestivo e levar o medicamento diretamente ao intestino, o que pode aumentar a eficiência das drogas convencionais, às quais as bactérias estão cada vez mais resistentes”, afirma Patrick Mathews Delgado, pós-doutorando na Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp e coautor do trabalho.
“O material pode ser administrado diretamente na água, onde é consumido pelos peixes. Normalmente, os medicamentos são misturados à ração e não é possível saber o quanto foi realmente consumido e o quanto está apenas poluindo a água. Isso se tornou uma questão séria em grandes criações, como as de salmão no Chile, por exemplo”, completa o pesquisador, que recentemente teve aprovado um auxílio Jovens Pesquisadores da FAPESP e pretende continuar a investigação no Instituto de Biociências de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (IBB-Unesp).
A biopartícula tem como base quitosona e alginato, dois ingredientes de origem natural utilizados na indústria e em pesquisas. O primeiro é obtido da carapaça de crustáceos e o segundo, de algas. A formulação contou ainda com arginina, um aminoácido presente em vários alimentos. A molécula usada como antimicrobiano foi um peptídeo obtido de um aracnídeo encontrado no Sudeste do Brasil.
Os peixes ornamentais amazônicos, da espécie Corydoras schwartzi, foram tratados por oito dias com o material. Análises dos intestinos relevaram uma alta penetração nas células epiteliais e nas camadas mais profundas do órgão. Diferentes métodos demonstraram ainda que a partícula não causa toxicidade ou outros danos. Exames das células sanguíneas dos peixes reforçaram os achados.
“Usamos materiais conhecidos por serem pouco ou nada citotóxicos. A quitosana tem ainda a vantagem de aderir bem em mucosas, o que ficou demonstrado no estudo. Os testes mostraram ainda que o biomaterial resiste à acidez do sistema digestório e chega íntegro ao intestino”, conta Omar Mertins, professor do Departamento de Biofísica da EPM-Unifesp, que coordenou o estudo.
O trabalho resulta de dois projetos coordenados por Mertins: “Aperfeiçoamento das propriedades do polissacarídeo quitosana para aplicação em lipossomas e vesículas gigantes” e “Nano cubossoma de fase cristalina e funcionalizado com biopolímeros: desenvolvimento como carreador de fármaco e estudos in vivo em zebrafish (Danio rerio)”.
Parasitas
Num trabalho publicado anteriormente, os pesquisadores testaram as propriedades de uma formulação semelhante tendo como alvo parasitas que ocorrem na mesma espécie de peixe. A molécula carreada foi o anti-helmíntico praziquantel, bastante utilizado no tratamento de infecções por vermes.
“Os peixes ornamentais são exportados principalmente para Ásia, Europa e Estados Unidos, podendo levar uma grande quantidade de parasitas. A introdução de novos patógenos por meio dessas exportações é um risco muito grande para os ecossistemas e mesmo para a produção comercial, uma vez que podem contaminar espécies selvagens e cultivadas”, explica Mathews.
Nos intestinos dos animais colonizados por vermes, a biopartícula penetrou nos cistos que protegem os parasitas, o que demonstrou o potencial de uso do material como carreador de medicamentos também para outros peixes. Por isso, gerou um pedido de depósito de patente para uma das formulações.
Agora, os pesquisadores vão testar essa e outras formulações no tratamento de parasitas de peixes comerciais de consumo humano: a tilápia (Oreochromis niloticus) e o tambaqui (Colossoma macropomum).
Um estudo de 2017, realizado por outro grupo de pesquisadores, estimou em US$ 84 milhões o prejuízo anual causado pela morte de peixes por conta de doenças em criações comerciais no Brasil.
“O fato de não ser tóxico para os animais é um bom sinal de que o material não deve ser prejudicial aos humanos que consumirem sua carne. As perspectivas de aplicação são muito boas”, encerra Mertins.
O artigo Antibacterial polypeptide-bioparticle for oral administration: Powder formulation, palatability and in vivo toxicity approach pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2772950823002480
 
Fonte: André Julião - Agência FAPESP
Foto: Omar Mertins