Artigo
Qualidade e segurança alimentar do pescado – nova abordagem
One Health é uma nova abordagem que vem ganhando espaço nas discussões científicas para lidar inclusive com a segurança alimentar, dentre outras temáticas. No português, Saúde Única, integra a saúde humana, a animal e o meio ambiente, além de estimular a adoção de políticas públicas efetivas para prevenção e controle de enfermidades, trabalhando em nível local, regional, nacional e global.
Este conceito, embora ainda não seja muito conhecido, está ganhando adeptos em várias áreas do conhecimento, principalmente quando se pensa em zoonoses e epidemiologia. Desde 2008, a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), a Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organizações das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) passam a desenvolver estratégias conjuntas dentro do conceito One Health, com o objetivo de reduzir os riscos emergenciais e a disseminação de doenças infecciosas resultantes da interface entre animais, humanos e ecossistemas.
A proximidade cada vez maior do ser humano com os animais (selvagens e domésticos), a alta mobilidade do homem pelo planeta e sua capacidade de alterar a natureza e os ecossistemas, resulta em maior oportunidade de disseminação e transmissão de doenças entre os seres vivos, além de alterações ambientais.
A Unidade Laboratorial de Referência em Tecnologia do Pescado do Instituto de Pesca, órgão de Pesquisa da APTA da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, vem pautando suas ações em pesquisa, inovação e capacitação na cadeia produtiva do pescado considerando este contexto. Assim, quando esta abordagem é transportada para o pescado, seja ele oriundo da pesca ou da aquicultura, resulta na necessidade de se buscar e implementar métodos para a preservação e melhoria do aproveitamento do pescado. Especialmente porque muitas espécies são produzidas/capturadas distante de seus mercados consumidores e precisam ser adequadamente preservadas e transportadas até seus destinos para o processamento e/ou consumo.
Métodos para preservação da qualidade do pescado
Os métodos tradicionais para conservar o pescado envolvem o resfriamento, congelamento, secagem, salga, defumação e enlatamento. Há outras estratégias menos convencionais como:
- Tratamento por alta-pressão hidrostática - que possui efeito similar às altas temperaturas na inativação de microrganismos e enzimas e tem apresentado sucesso na conservação de pescado, especialmente por promover a segurança com a preservação das propriedades sensoriais do pescado e seus produtos, além de se mostrar eficiente na inativação de patógenos como Vibrio parahaemolyticus e na inativação de patógenos como o vírus da hepatite A e norovírus humano em ostras);
- Ozonização – estudado pelo Instituto de Pesca (Furlan et al., 2020. - DOI 10.22533/at.ed.61420190315), na água de lavagem de filés de pescada Goete foi alternativa eficiente ao uso da água clorada, com a vantagem de não gerar resíduos na musculatura do pescado e nem na água residual do processamento, como ocorre quando se utiliza o cloro como sanitizante. Gerando vantagens para o produto e também para o meio ambiente;
- Irradiação - tecnologia eficiente para garantir a segurança no consumo, onde raios gama, feixe de elétrons ou raio-X já demonstraram-se eficientes para diminuir a carga microbiana, tanto de deteriorantes como de patógenos e consequentemente prolongar a vida de prateleira do pescado, sem alterar os atributos sensoriais, com a vantagem do pescado poder ser submetido à irradiação já na embalagem final, o que evita a recontaminação;
- Tecnologia de campo elétrico pulsado – aplica-se pulsos curtos e fortes de correntes elétricas, com duração de micro a milissegundos e intensidade na ordem de 10-80 kV/cm com o objetivo de inibir o crescimento microbiano.
Aditivos e ingredientes para preservação do pescado
Há uma gama de conservantes naturais que podem agir contra um amplo espectro de bactérias e fungos, além de, em sua maioria ser ativo em baixas concentrações, ser atóxicos, não alterar as propriedades sensoriais dos alimentos como odor, a cor, ou ainda colaborar para compor o sabor e a sensorialidade do alimento e ser competitivo sob a ótica econômica.
Os ácidos orgânicos possuem propriedades antimicrobianas e características hidrofóbicas, podem ser aplicados através de pulverização ou imersão do pescado. Estudos científicos indicaram que a mistura de ácidos orgânicos, como por exemplo, ácido cítrico e lático, são eficientes na inibição do crescimento de bactérias e diminuíram a contagem de microrganismos aeróbicos, anaeróbicos, psicrotróficos, proteolíticos e enterobactérias em pescada.
Acetato de sódio, citrato de sódio e lactato de sódio também foram estudados e estenderam a vida de prateleira e melhoraram sensorialmente o pescado. Ácidos orgânicos também já foram testados e podem ser utilizados para marinar e preservar pescado, desempenhando estas duas funções ao mesmo tempo em pratos ready-to-eat.
Estudos foram conduzidos com camarão tratados com catequina para substituir os sulfitos (conhecidos pela sua toxicidade e reações alérgicas em milhares de pessoas) demonstrando ser promissor como inibidor de melanose, bem como antimicrobiano e anti-oxidante para o camarão resfriado.
Óleos essenciais de limão, orégano, gengibre e alho, foram eficientes na inibição do crescimento de variados microrganismos, além de apresentar atividade antioxidante, melhorando sensivelmente as características físico-químicas (Bases Nitrogenadas Voláteis Totais e oxidação lipídica) do pescado.
Algas marinhas também foram estudados como conservantes em tilápia e evidenciaram resultados condizentes com os padrões brasileiros para produtos congelados. Óleos essenciais e extratos de algas vêm sendo estudados para na preservação de pescado com sucesso em várias espécies de peixe, moluscos bivalves, dentre outros e podem atuar como antimicrobianos e antioxidantes.
Bactérias ácido-láticas (LAB, do inglês) também têm sido estudadas para aplicação em conservação de alimentos, as principais são Lactobacillus, Lactococcus, Pediococcus, Leuconostoc e Streptococcus.
Já foram realizados estudos em pescado, inclusive no Brasil, na conservação de mexilhões in natura com Lactobacillus plantarun com resultados interessantes no controle de Vibrio spp e bactérias totais heterotróficas, onde houve controle para ambos os microrganismos mesmo após 60 dias de estocagem refrigerada.
Estas mesmas LAB foram estudadas em algumas espécies de peixes, camarão e bivalves, em produtos frescos e em defumados, onde controlaram patógenos como Vibrio spp e Listeria monocytogenes, sem comprometer os aspectos sensoriais dos produtos. Os estudos realizados utilizaram uma espécie de LAB ou em composição com outras bactérias e se observou a ação bactericida e/ou bacteriostática, e assim a conservação da qualidade e extensão da vida de prateleira dos produtos.
Embalagem inteligente e ativa
Um segmento muito importante no processamento do pescado e que contribui muito para a segurança alimentar, para a comercialização e melhor aproveitamento desta proteína é a embalagem.
Embalagem inteligente e ativa é um conceito emergente que tem como objetivo possibilitar o controle da qualidade dos alimentos durante o período de armazenamento e comercialização. Uma das estratégias é incorporar substâncias como os compostos fenólicos, dentre os quais as antocianinas são as preferidas, uma vez que as suas cores variam com o pH. Assim, com a pode ser “visível” por alterações na cor da embalagem que o produto está deteriorado. Esta ainda não é uma realidade no segmento do pescado, mas certamente sua aplicação em embalagem para produtos de pescado será muito interessante.
Outro exemplo de embalagem inteligente e ativa se aplicaria no caso quando um alimento depende muito do binômio tempo-temperatura para manter sua qualidade, como é o caso do pescado, a utilização de embalagem ativa e inteligente seria extremamente interessante, pois além de manter sua qualidade e segurança de consumo, a embalagem poderia “interagir” com o consumidor, informando se sua qualidade e conservação foi realmente eficiente, se ficou armazenada em temperatura adequada e se está apta para o consumo, independente do seu prazo de validade.
Por: Rúbia Yuri Tomita, da Unidade Laboratorial de Referência em Tecnologia do Pescado do Instituto de Pesca (APTA/SAA)
Foto: Divulgação
Este conceito, embora ainda não seja muito conhecido, está ganhando adeptos em várias áreas do conhecimento, principalmente quando se pensa em zoonoses e epidemiologia. Desde 2008, a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), a Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organizações das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) passam a desenvolver estratégias conjuntas dentro do conceito One Health, com o objetivo de reduzir os riscos emergenciais e a disseminação de doenças infecciosas resultantes da interface entre animais, humanos e ecossistemas.
A proximidade cada vez maior do ser humano com os animais (selvagens e domésticos), a alta mobilidade do homem pelo planeta e sua capacidade de alterar a natureza e os ecossistemas, resulta em maior oportunidade de disseminação e transmissão de doenças entre os seres vivos, além de alterações ambientais.
A Unidade Laboratorial de Referência em Tecnologia do Pescado do Instituto de Pesca, órgão de Pesquisa da APTA da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, vem pautando suas ações em pesquisa, inovação e capacitação na cadeia produtiva do pescado considerando este contexto. Assim, quando esta abordagem é transportada para o pescado, seja ele oriundo da pesca ou da aquicultura, resulta na necessidade de se buscar e implementar métodos para a preservação e melhoria do aproveitamento do pescado. Especialmente porque muitas espécies são produzidas/capturadas distante de seus mercados consumidores e precisam ser adequadamente preservadas e transportadas até seus destinos para o processamento e/ou consumo.
Métodos para preservação da qualidade do pescado
Os métodos tradicionais para conservar o pescado envolvem o resfriamento, congelamento, secagem, salga, defumação e enlatamento. Há outras estratégias menos convencionais como:
- Tratamento por alta-pressão hidrostática - que possui efeito similar às altas temperaturas na inativação de microrganismos e enzimas e tem apresentado sucesso na conservação de pescado, especialmente por promover a segurança com a preservação das propriedades sensoriais do pescado e seus produtos, além de se mostrar eficiente na inativação de patógenos como Vibrio parahaemolyticus e na inativação de patógenos como o vírus da hepatite A e norovírus humano em ostras);
- Ozonização – estudado pelo Instituto de Pesca (Furlan et al., 2020. - DOI 10.22533/at.ed.61420190315), na água de lavagem de filés de pescada Goete foi alternativa eficiente ao uso da água clorada, com a vantagem de não gerar resíduos na musculatura do pescado e nem na água residual do processamento, como ocorre quando se utiliza o cloro como sanitizante. Gerando vantagens para o produto e também para o meio ambiente;
- Irradiação - tecnologia eficiente para garantir a segurança no consumo, onde raios gama, feixe de elétrons ou raio-X já demonstraram-se eficientes para diminuir a carga microbiana, tanto de deteriorantes como de patógenos e consequentemente prolongar a vida de prateleira do pescado, sem alterar os atributos sensoriais, com a vantagem do pescado poder ser submetido à irradiação já na embalagem final, o que evita a recontaminação;
- Tecnologia de campo elétrico pulsado – aplica-se pulsos curtos e fortes de correntes elétricas, com duração de micro a milissegundos e intensidade na ordem de 10-80 kV/cm com o objetivo de inibir o crescimento microbiano.
Aditivos e ingredientes para preservação do pescado
Há uma gama de conservantes naturais que podem agir contra um amplo espectro de bactérias e fungos, além de, em sua maioria ser ativo em baixas concentrações, ser atóxicos, não alterar as propriedades sensoriais dos alimentos como odor, a cor, ou ainda colaborar para compor o sabor e a sensorialidade do alimento e ser competitivo sob a ótica econômica.
Os ácidos orgânicos possuem propriedades antimicrobianas e características hidrofóbicas, podem ser aplicados através de pulverização ou imersão do pescado. Estudos científicos indicaram que a mistura de ácidos orgânicos, como por exemplo, ácido cítrico e lático, são eficientes na inibição do crescimento de bactérias e diminuíram a contagem de microrganismos aeróbicos, anaeróbicos, psicrotróficos, proteolíticos e enterobactérias em pescada.
Acetato de sódio, citrato de sódio e lactato de sódio também foram estudados e estenderam a vida de prateleira e melhoraram sensorialmente o pescado. Ácidos orgânicos também já foram testados e podem ser utilizados para marinar e preservar pescado, desempenhando estas duas funções ao mesmo tempo em pratos ready-to-eat.
Estudos foram conduzidos com camarão tratados com catequina para substituir os sulfitos (conhecidos pela sua toxicidade e reações alérgicas em milhares de pessoas) demonstrando ser promissor como inibidor de melanose, bem como antimicrobiano e anti-oxidante para o camarão resfriado.
Óleos essenciais de limão, orégano, gengibre e alho, foram eficientes na inibição do crescimento de variados microrganismos, além de apresentar atividade antioxidante, melhorando sensivelmente as características físico-químicas (Bases Nitrogenadas Voláteis Totais e oxidação lipídica) do pescado.
Algas marinhas também foram estudados como conservantes em tilápia e evidenciaram resultados condizentes com os padrões brasileiros para produtos congelados. Óleos essenciais e extratos de algas vêm sendo estudados para na preservação de pescado com sucesso em várias espécies de peixe, moluscos bivalves, dentre outros e podem atuar como antimicrobianos e antioxidantes.
Bactérias ácido-láticas (LAB, do inglês) também têm sido estudadas para aplicação em conservação de alimentos, as principais são Lactobacillus, Lactococcus, Pediococcus, Leuconostoc e Streptococcus.
Já foram realizados estudos em pescado, inclusive no Brasil, na conservação de mexilhões in natura com Lactobacillus plantarun com resultados interessantes no controle de Vibrio spp e bactérias totais heterotróficas, onde houve controle para ambos os microrganismos mesmo após 60 dias de estocagem refrigerada.
Estas mesmas LAB foram estudadas em algumas espécies de peixes, camarão e bivalves, em produtos frescos e em defumados, onde controlaram patógenos como Vibrio spp e Listeria monocytogenes, sem comprometer os aspectos sensoriais dos produtos. Os estudos realizados utilizaram uma espécie de LAB ou em composição com outras bactérias e se observou a ação bactericida e/ou bacteriostática, e assim a conservação da qualidade e extensão da vida de prateleira dos produtos.
Embalagem inteligente e ativa
Um segmento muito importante no processamento do pescado e que contribui muito para a segurança alimentar, para a comercialização e melhor aproveitamento desta proteína é a embalagem.
Embalagem inteligente e ativa é um conceito emergente que tem como objetivo possibilitar o controle da qualidade dos alimentos durante o período de armazenamento e comercialização. Uma das estratégias é incorporar substâncias como os compostos fenólicos, dentre os quais as antocianinas são as preferidas, uma vez que as suas cores variam com o pH. Assim, com a pode ser “visível” por alterações na cor da embalagem que o produto está deteriorado. Esta ainda não é uma realidade no segmento do pescado, mas certamente sua aplicação em embalagem para produtos de pescado será muito interessante.
Outro exemplo de embalagem inteligente e ativa se aplicaria no caso quando um alimento depende muito do binômio tempo-temperatura para manter sua qualidade, como é o caso do pescado, a utilização de embalagem ativa e inteligente seria extremamente interessante, pois além de manter sua qualidade e segurança de consumo, a embalagem poderia “interagir” com o consumidor, informando se sua qualidade e conservação foi realmente eficiente, se ficou armazenada em temperatura adequada e se está apta para o consumo, independente do seu prazo de validade.
Por: Rúbia Yuri Tomita, da Unidade Laboratorial de Referência em Tecnologia do Pescado do Instituto de Pesca (APTA/SAA)
Foto: Divulgação