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Seca extrema ameaça pesca e meios de sobrevivência no Amazonas


Cerca de 80% dos 200 mil pescadores do Amazonas têm sofrido com o impacto da seca extrema que atinge a região desde o final de setembro. A estiagem tem comprometido a pesca, a navegação, a comercialização e isolado comunidades pesqueiras no Estado. Além disso, a luta dos ribeirinhos ainda é contra as queimadas, a fumaça que se mantém em diversas regiões, a falta de água potável e impactos na alimentação, na saúde e na eduçação.
 
Em entrevista à CNN, o superintendente Federal de Pesca e Aquicultura (SFA) do Estado, Algemiro Ferreira Lima Filho, contou que são 112 mil pescadores enfrentando a situação alarmante que atinge 60 dos 62 municípios do Estado.
 
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) informa que, na região de Tefé, a temperatura da água ultrapassa 39ºC. “Morreram peixes de tamanho médio, pequeno e que estavam em fase de reprodução, o que significa dizer que esse bioma, para se recompor, nós vamos precisar de pelo menos dois anos”, afirmou Algemiro Ferreira.
 
Pedro Hamilton Prado Brasil, presidente da Associação dos Pescadores de Manaus conta como esses desafios estão se agravando a cada dia, deixando os pescadores sem alternativas de sobrevivência.  "Além da seca, enfrentamos problemas com as queimadas, que têm prejudicado gravemente a agricultura. Também estamos lidando com a escassez de água potável devido ao aquecimento das águas, o que está causando a morte de peixes, principalmente nas calhas do Solimões e Purus, onde existem reservas importantes”.
 
Os pescadores enfrentam uma dificuldade extrema, com 99% da água praticamente desaparecida. Aqueles que conseguem encontrar água em lagos represados precisam carregar suas canoas nos ombros e caminhar por quilômetros em busca de sustento para suas famílias. Além disso, a saúde também está se deteriorando devido a essas condições adversas” diz.
 
A luta dos ribeirinhos
 
A luta de ribeirinhos contra as queimadas, a fumaça e a seca em um lago do Piranha, no Amazonas, também foi tema de uma reportagem do Nexo.
 
“Quando começou a boiar direto, a gente já sabia: vai morrer muito peixe. O rio seca, eles (peixes) ficam aqui no lago, pensam que não vai secar e morrem. Queria que você visse. Desde o roelo (filhote de tambaqui), branquinha, aracu. Morrem os mais fracos.", relata o pescador e barqueiro Arnoldo Paiva, na na área ribeirinha do município de Manacapuru (AM).
 
A comunidade do Lago do Piranha, cuja estrada de acesso é o rio, pode ficar isolada caso a vazante não cesse. O tempo de deslocamento entre a cidade e a comunidade e o gasto de combustível já aumentaram. No sábado, quando a Agência Pública esteve na região, o trajeto de Manacapuru até o lago durou quase quatro horas – o normal seria em torno de uma hora. Entre ir à cidade para fazer compras e voltar para a comunidade, a jornada já está levando cerca de nove horas.
 
O lago impede que falte proteína para os ribeirinhos. Mesmo com a seca, as famílias se alimentam de peixe. A estiagem e a falta de armazenamento adequado, porém, prejudicam o escoamento para venda. Nem todos têm geladeira. Nos varais das casas flutuantes, postas salgadas de peixes secam estendidas ao lado de roupas.
 
A pescadora Ingrid Ferreira Levi disse que foi ruim passar dias com fumaça dentro de casa e depois com o cheiro dos peixes podres. A dificuldade atual tem sido água potável. Há dias em que é inevitável tomar água do lago, diz a pescadora.
 
“A gente sempre traz água de Manacapuru, na cheia e na seca. Quando não tem, a gente toma do rio, põe o cloro. Meus vizinhos todos consomem água daqui. Nem todo mundo tem condições de comprar. Mas com a poluição dos peixes mortos ficou ruim”, conta.
 
Na comunidade Monte das Oliveiras, no município de Fonte Boa (AM), o Brasil de Fato conta que 16 famílias estão praticamente ilhadas. Milcy Cordeiro de Carvalho disse que nunca viveu situação parecida. Ela preside um acordo de pesca sustentável no município de Maraã (AM) que sustenta 135 famílias sem provocar desequilíbrio ambiental. O pirarucu, principal fonte de renda das comunidades, está inacessível.
 
“Está prejudicando porque tudo está muito seco. Fechou a área de transporte onde fica o pirarucu que a gente vai capturar. Não tem como retirar ele agora no momento. Agora é esperar a água subir”, diz a líder comunitária.
 
Os relatos de isolamento e desabastecimento de alimentos se somam às imagens catastróficas produzidas nos últimos dias. Uma comunidade ribeirinha a 170 quilômetros de Manaus foi engolida por uma cratera, depois que um barranco desabou. Duas pessoas morreram e outras 300 foram afetadas diretamente.
 
No lago Tefé, a 500 km de Manaus, já passa de 120 o número de botos encontrados mortos, depois que a água chegou aos 40 graus, um recorde de temperatura.
 
Especialistas afirmam que a seca e o calor intensos são causados pela combinação de dois fatores: o El Niño, um fenômeno climático natural que aquece as águas do oceano Pacífico, e o aquecimento global, provocado pela ação humana.
 
Manaus registra quinta maior seca da história
 
Na segunda-feira (9), o G1 informa que a cota do Rio Negro em 14,41 metros, em Manaus, registrou a quinta maior seca da história. Na cidade, o nível das águas está a 1,41 metro da maior seca, registrada em 2010, quando o rio chegou a descer para 13,63 metros.
 
De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), o Rio Negro deve continuar descendo mais duas semanas. No entanto, o nível das águas na capital depende do ritmo do Rio Solimões.
 
Conforme a publicação, a seca do Rio Negro fez Manaus decretar situação de emergência, no dia 28 de setembro deste ano. Com a vazante, lagos e igarapés que cortam a cidade estão secando. Segundo a prefeitura, a estiagem afeta comunidades ribeirinhas, que sofrem com falta de alimentos e de água potável. Em todo o estado, 273 mil pessoas, de 68 mil famílias, estão sendo afetadas pela vazante.
 
A seca no rio Negro levou a antecipação do fim do ano letivo nas escolas ribeirinhas da região, como informa a Agência Brasil. De acordo com a prefeitura de Manaus, a previsão era o ano letivo terminar no próximo dia 17, mas as aulas foram encerradas na quarta-feira (4).
 
Com o rio praticamente sem água, professores e alunos têm dificuldade em chegar até as escolas. O calendário escolar na região é baseado na cheia e vazante dos rios. Assim, as aulas são iniciadas em janeiro e finalizadas em outubro.
 
Ações do governo federal
 
O governo federal divulgou na terça-feira (3) medidas relacionadas ao impacto socioambiental da seca no Amazonas. Serão destinados R$ 138 milhões para dragagem dos rios Madeira e Solimões, ajuda humanitária e reforço no combate a incêndios, entre outras ações, anunciou o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, após reunião ministerial.
 
“O governo será parceiro, é uma situação grave. Há uma previsão, que a gente espera que mude, de que outubro seja ainda um mês seco devido ao El Niño, com muita chuva no Sul e seca no Norte”, declarou Alckmin. “Com mudanças climáticas cada vez mais agudas, [vamos] trabalhar para atender a população e prevenir.”
 
Na quarta-feira (4), uma comitiva ministerial liderada por Alckmin foi ao Amazonas para avaliar a situação e se reunir com representantes locais onde anunciaram a liberação do auxílio-defeso e avalia indenizações para o período em que os pescadores foram prejudicados, mas não tiveram acesso ao benefício. Nos municípios em estado de emergência, haverá antecipação dos pagamentos do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
 
Segundo Alckmin, não há risco de falta de energia, apesar da paralisação da usina de Santo Antônio, cuja operação foi interrompida pela falta d’água, em razão de estoques de diesel realizados nos últimos meses. Já o Ministério da Defesa foi acionado para auxiliar no abastecimento de populações ribeirinhas e comunidades indígenas, pois a maioria dos municípios têm barcos como meio principal de transporte.
 
O Ministério dos Povos Indígenas faz um levantamento sobre as consequências para comunidades indígenas, e articula com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome para garantir o apoio necessário. Os impactos ambientais, destacou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, são drásticos:
 
“O impacto ambiental é tremendo, assustador. Ibama, ICMBio e instituições de pesquisa trabalham na região”, afirmou a ministra. “Estamos fazendo ação emergencial em relação aos botos e tucuxis que estão sendo ferozmente atingidos, não só pela mortandade em função da estiagem. Mas também porque alguns rios ficam com quantidade de água muito baixa e são feridos pelas embarcações que continuam passando em alguns trechos".
 
Créditos da imagem: Cadu Gomes/VPR/Agência Brasil
Foto: Divulgação