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​ TiLV: sinais clínicos, diagnóstico e prevenção da doença


 Tilápia é a segunda espécie de peixe mais cultivada no mundo. Entre os segredos do sucesso está o seu baixo custo de produção, associado a alta qualidade do produto, principalmente no seu conteúdo nutricional. Soma-se a isso o fato da tilápia tolerar altas densidades de estocagem, sendo altamente resistente à doenças. De fato, os produtores de tilápia foram capazes de lidar efetivamente com agentes de doenças bacterianas, como Streptococcus spp. e Aeromonas spp., através de diferentes abordagens, incluindo o uso de aditivos alimentares e antimicrobianos, juntamente com o melhor manejo e estratégias rigorosas de biossegurança. No entanto, a indústria da tilápia testemunhou recentemente o surgimento de doenças altamente virulentas, como o vírus da tilápia do lago (TiLV), que vem afetando a tilápia selvagem e cultivada há mais de uma década.
 
 
 A  TiLV foi oficialmente identificada e relatada em 2014 no Mar da Galiléia, Israel. Depois de saber mais sobre a origem e a progressão da doença, o declínio acentuado da tilápia capturada selvagem no Mar da Galiléia desde 2009 estava ligado a uma presença crescente de TiLV nas populações de peixes selvagens. A conscientização sobre este novo vírus se espalha rapidamente e, em maio de 2017, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) disparou um alarme global. A FAO alertou que o vírus pode impactar negativamente a segurança alimentar e a nutrição globais e aconselhou os países que importam tilápia a adotar estratégias adequadas de gerenciamento de riscos, como testes diagnósticos, certificação de saúde e imposição de medidas de quarentena e planos de contingência para conter os surtos.
 
Fatores de transmissão e de risco
 
 
 
A tilápia é o principal hospedeiro do TiLV, mas outras importantes espécies de aquicultura em águas quentes também podem ser infectadas. Algumas espécies de peixes como o gourami de pele de cobra (Trichogaster pectoralis), carpa comum (Cyprinus carpio), barbo de prata (Barbodes gonionotus), robalo asiático (Lates calcarifer) e carpa indiana maio (Labeo rohita) têm se mostrado resistentes à esta doença aquática emergente. Esta aparente resistência ao TiLV pode ser devido à falta de receptores virais ou outros mecanismos que permitam a replicação nos hospedeiros. No entanto, outros fatores, como estresse, co-infecção e condições ambientais também desempenham papéis importantes na vulnerabilidade ao TiLV.
 
O TiLV é transmitido horizontalmente (entre indivíduos da mesma geração) e verticalmente para descendentes. Em condições experimentais, o vírus foi detectado em fezes e água contaminada após uma infecção intragástrica bem sucedida, sugerindo uma rota oral-fecal de transmissão. Assim, o vírus pode se espalhar horizontalmente entre os indivíduos que habitam o mesmo corpo d’água.
 
A transmissão vertical de TiLV foi detectada em matrizes infectadas e seus descendentes (larvas de 2 dias). Isso também significa que é teoricamente possível testar larvas para a presença de TiLV antes de enviá-las para fazendas; isso representa uma oportunidade significativa para criar larvas livres de patógenos TiLV – um grande passo de biossegurança. Há também a hipótese de que moluscos, insetos aquáticos e invertebrados são potenciais portadores de TiLV e, portanto, o vírus também poderia ser transmitido através desses organismos. No entanto, mais pesquisas precisam ser realizadas para confirmar vias de transmissão através desses outros vetores. No geral, essas múltiplas vias de transmissão tornam a contenção de surtos particularmente desafiadora.
 
Apesar do TiLV ser um vírus recentemente identificado, alguns efeitos diretos já foram identificados como fatores de risco significativos para sua propagação, ou seja, a presença e proximidade de populações infectadas, selvagens ou cultivadas, e temperaturas de água variando de 25°C a 31°C. Outros fatores de risco incluem qualquer mudança que possa afetar o estado imunológico dos peixes e torná-los mais vulneráveis à presença do vírus, seja alterando diretamente a competência imunológica do peixe ou interrompendo sua homeostase. Este último, que força o peixe a reequilibrar energicamente suas condições fisiológicas, são chamados de condutores de imunossupressão e incluem parâmetros ambientais sub-ideais, aumento das densidades de estocagem e presença de infecção bacteriana e/ou parasitária secundária.
 
 
 
Sinais clínicos e diagnóstico
 
Os sinais clínicos do TiLV incluem movimentos letárgicos e mudanças no comportamento dos peixes, como nadar perto da superfície da água, movimento circular e desequilibrado e perda de apetite (Figura 1). Lesões oculares e cutâneas, descoloração e inchaço abdominal também podem estar presentes. No entanto, a infecção por TiLV não se limita necessariamente a esses sintomas e mudanças comportamentais. Como esses sinais clínicos são semelhantes aos associados a várias outras doenças de tilápia, a identificação da doença muitas vezes conta com métodos diagnósticos mais específicos, como observações histológicas ou ferramentas moleculares mais recentes, envolvendo reação em cadeia de polimerase (PCR).
 
Alterações histopatológicas associadas ao TiLV são observadas no cérebro, fígado, baço, brânquias, olhos e rim. A característica histopatológica mais comum na tilápia infectada é a hepatite sincicial, caracterizada pelo evidente desenvolvimento de múltiplos núcleos em um única célula hepática. Em adição, lesões histopatológicas recorrentes encontradas em peixes infectados com TILV são impulsionadas em função da obstrução do rim e cérebro. Infecções oculares como a exofitalmia e catarata também são observadas em casos extremos da doença.
 
 
 
Análise molecular
 
O desenvolvimento de técnicas de detecção molecular para TiLV, como a hibridização in situ (ISH) e PCR, permitem a detecção precoce da doença. Além disso, essas técnicas moleculares fornecem uma maior compreensão dos múltiplos fatores envolvidos no processo da doença, fomentando o conhecimento da interação do TiLV com a tilápia e o desenvolvimento de métodos eficazes para o controle do vírus.
 
 
 
Controle e prevenção do TiLV
 
Atualmente, as medidas de biossegurança e as boas práticas de gestão são as melhores medidas de prevenção e controle para a TiLV (Figura 2). Todos os transportes de tilápia viva (incluindo ovos) devem ser altamente regulados e monitorados para possível presença de TiLV. Uma vez que o TiLV pode ser transmitido verticalmente, a produção de alevinos sem patógenos específico (SPF) é essencial para evitar a propagação da doença. Embora isso exija uma triagem rigorosa para esta doença, ela garantirá alevinos livres de TiLV, que são fundamentais para controlar a doença durante a produção de fases iniciais.
As instalações aquícolas devem aplicar medidas e diretrizes rigorosas de biossegurança para evitar que o vírus se espalhe na fazenda. O ponto de partida deve ser um plano de biossegurança, que delineia rotinas de monitoramento de doenças, regulamentações rigorosas para quarentena de peixes que entram na propriedade e protocolos específicos para desinfetar materiais, água e veículos. Uma tarefa de rotina vital também é a remoção imediata de peixes moribundos e mortos de tanques para evitar a transmissão de TiLV. O uso de desinfetantes também deve ser promovido, há vários estudos mostrando que desinfetantes comuns, como hipoclorito de sódio (NaOCl), peróxido de hidrogênio (H2O2) ou formalina, podem reduzir a carga de TiLV a um nível mínimo.
 
 
 
A vacinação também pode ser uma ferramenta eficaz para prevenir surtos de TILV. Uma vacina para o manejo do TiLV ainda não está disponível, mas estudos mostraram que os peixes que sobrevivem à infecção apresentam imunidade protetora eficaz ao TiLV. Esses achados sugerem que a tilápia pode desenvolver imunidade ao vírus e, portanto, uma vacina TiLV pode controlar a propagação da doença. Vacinas (atenuadas e inativadas) com base nas preparações de cultura celular estão sendo desenvolvidas e sua eficácia está sendo testada em condições laboratoriais. A vacinação parece uma solução promissora, mas novas pesquisas são necessárias para determinar o melhor tipo de vacina (vírus atenuado ou inativado) e o método de vacinação mais eficaz (imersão, injeção ou oral).
 
O caminho a seguir
 
A disseminação do TiLV para a América Latina, África e Ásia pode causar uma perda econômica significativa para os produtores de tilápia. Isso, consequentemente, levará a desafios sociais e ambientais. Por isso, a FAO enfatiza a necessidade de um programa internacional de monitoramento voltado à identificação de populações de tilápia infectadas e a implementação de medidas preventivas rigorosas entre as populações de tilápia livre de TiLV.
 
 
 
Enquanto o comércio global de peixes vivos é hoje uma realidade comum, o transporte de tilápia viva, de matrizes a ovos ou juvenis, deve ser regulado adequadamente para evitar a propagação do TiLV. No entanto, e como ainda não está claro se outros animais aquáticos podem espalhar o vírus ou agir como um incubatório, é imprescindível que os esforços de monitoramento e pesquisa sejam promovidos para entender melhor o papel dos diferentes vetores de transmissão e como regulá-los.
Traduzido por Fábio Rodrigues e revisado por Daniel Fuziki
Por: Revista Panorama da Aquicultura
Foto: Divulgação